Artigo de Eugênio Lara - Dezembro de 2001

Goodbye, George

Here comes the sun/And I say/It’s alright. 
(Aí vem o sol/E eu digo/Tudo bem.)
George Harrison

Era o beatle que eu mais gostava. Não senti tanto a morte de John Lennon como senti a de George Harrison. O mundo ficou menos iluminado com o seu retorno. Lennon era o preferido dos rockeiros pelo espírito irreverente e contestador. Mas ao conhecer melhor a vida dos quatro rapazes de Liverpool me entusiasmei, não somente pela sua figura serena e discreta, mas com as músicas. Compunha tanto quanto Lennon e McCartney.
Através de George tomei contato com a filosofia oriental, com yoga, hinduísmo, mantras, Hare Krishna. Foi uma das bases para o contato vindouro com o Espiritismo. Devo isso a ele. A cultura indiana penetrou efetivamente no Ocidente através de George Harrison, não somente na música, mas na filosofia também. Ele se converteu ao hinduísmo e até o fim de sua vida foi uma referência, fez parte de sua visão de mundo. Sua primeira esposa o deixou para ficar com seu melhor amigo, o guitarrista Eric Clapton. Perdeu a mulher mas não perdeu o amigo. Era como se fossem irmãos. Isso é apenas uma amostra do caráter incomum de George. Produziu discos, filmes, promoveu eventos filantrópicos, sempre inspirado em sua filosofia de vida. 
Organizou o primeiro concerto beneficente da história do rock, o lendário Concert for Bangladesh, em 1971, para angariar recursos contra a fome naquele país asiático. Depois disso tornou-se comum a realização de shows em prol de algum movimento ou como manifestação pacifista, social.
Foi pioneiro em muitas coisas. O primeiro rockeiro a tocar cítara no Ocidente e usar a estética musical do Oriente, especialmente da Índia, como inspiração. Suas canções sempre falavam de paz, amor, de vida interior, de iluminação, temas raros em um universo quase sempre marcado pelo excesso, pela agressividade e o hedonismo. Lançou um dos primeiros discos de música eletrônica (1969). O toque sutil e harmônico de sua guitarra antecipou a new wave e continua influenciando muitas guitar bands. Hoje é reconhecido como um grande guitarrista por muitos músicos de renome.
O primeiro sucesso de sua carreira, My Sweet Lord, é um hino ao Criador. Era deísta, reencarnacionista, um espiritualista de carteirinha. Muitos rockeiros depois dele se integraram ao orientalismo, se tornaram espiritualistas. Influenciou gerações, tornou o mundo mais feliz com suas canções maviosas e sinceras.
Encarou o câncer que o matou com serenidade. “George é muito filosófico. Ele compreende que todo mundo tem de morrer alguma hora. (...) Mas ele sabe que vai morrer em breve e está aceitando isso perfeitamente de modo feliz”, declarou o ex-produtor dos Beatles, George Martin. Pouco antes de morrer, ao lado de seu filho e sua mulher, na casa de um amigo, afirmou com a serenidade de sempre: “tudo pode esperar, menos a busca por Deus e o amor ao próximo”.
George nem se foi e já sinto saudades. Ouço suas músicas como se estivesse conversando com ele. Agora, no mundo extra-físico, criará as músicas que não compôs com John. Tenho absoluta certeza de que o sonho de ver os quatro juntos se realizará, ainda que seja do lado de lá. Mas não tenho pressa em realizar esse sonho. Here comes de sun...