Artigo de Jaci Régis - Agosto de 2001
A proposta era discutir o que é ser feliz.
Esta é uma questão que traduz esperança e desalento, porque a
felicidade é uma fantasia ou um desejo sem delineamento
definido. É um sentimento tão pessoal e não raro tão fugaz
que, para muitos é impossível ser feliz. Pois a felicidade está,
geralmente, num patamar onde não existem controvérsias,
conflitos, doenças. Enfim, uma plenitude de sensações tão
agradáveis, equilibradas e sensíveis que não dá para
descrever.
Na cultura religiosa, o ideal de felicidade está ligado, quase
sempre, ao não ser, como no nirvana oriental ou no céu dos
cristãos, lugares onde parece ser necessário alienar-se do
passado, do presente e eliminar o futuro. Entretanto, enquanto
desejo humano, é alguma coisa desejada, positiva, atuante, que
quer usufruto, que quer se gozada.
Um questionário sobre como cada um define o que é ser feliz
mostra a variedade das emoções e das situações pessoais,
refletindo as incertezas ou angústias do momento.
- Ser feliz é ter saúde, ...é ter dinheiro para comprar bens
materiais, ...é servir ao próximo, ...é uma questão de equilíbrio,
...viver bem, ...é ser amado, ...é amar, ...é ter fé, ...é
confiar em Deus...
Enfim, a lista de definições ocasionais é extensa, variará de
pessoa a pessoa e indicará as aspirações e desejos pontuais.
Quem pede saúde, possivelmente está doente ou teme ficar. O
dinheiro tem sido uma meta não apenas necessária, mas tomado,
muitas vezes, como fator decisivo para ser feliz.Ter bens
materiais pode não significar a felicidade, alega-se, mas ajuda
a ser feliz. Possui-lo permite um gozo de acordo com o montante
monetário.
Servir é, sem dúvida, um caminho muito equilibrado na vida,
porque traz felicidade se o coração estiver realmente alinhado
com os propósitos assumidos. Amar e ser amado são aspirações
mais do que naturais, são fundamentais. Embora o amor seja também
um ponto luminoso e duvidoso na estrutura da pessoa humana.
Por fim, ter fé e confiar em Deus é uma condição de grande
valor se inundar a vida de vibrações positivas e levar ao exercício
de atos que dêem à fé um sentido consistente para a própria
pessoa e para os que estão em torno.
O Livro dos Espíritos trata do tema em duas questões de grande
importância:
920 - O homem pode gozar na Terra de uma felicidade completa?
-Não, pois a vida lhe foi dada como prova e expiação, mas dele
depende abrandar os seus males e ser tão feliz quanto se pode
ser na Terra.
922 - A felicidade terrena é relativa à posição de cada um: o
que é suficiente para a felicidade de um faz a desgraça de
outro. Há, entretanto, uma medida comum de felicidade para todos
os homens?
-Para a vida material, a posse do necessário, para a vida moral,
a consciência pura e a fé no futuro.
As diretrizes de O Livro dos Espíritos são muito coerentes,
embora possamos achar que sacramentam a idéia desse mundo de
provas e expiações, o que significaria, numa visão
inconveniente, que somos todos culpados e por isso sem direito à
felicidade.
Visto por outro ângulo, a posição doutrinária ajusta-se ao
perfil da maioria das pessoas, ainda sem definições precisas de
suas pretensões, desejos e objetivos. A maioria estagia nos níveis
da auto-satisfação egoísta, na busca de um prazer meramente
especulativo e não do prazer decorrente de uma conquista
trabalhada pelo coração, pelo sentimento.
Por isso, o núcleo central dessa maioria é o egoísmo, apontado
pela Doutrina como o maior problema humano, não pelo confronto
entre virtude e vício, mas porque o egoísmo segrega, afasta,
isola o ser, o que redunda em prejuízo próprio e dos outros,
eliminando o saudável alimento espiritual da reciprocidade, da
troca, da partilha.
Despida de todos os aparatos circunstanciais, voltada para sua
realidade intrínseca, atemporal e espiritual, o que poderá ser
básico no caminho da felicidade para a pessoa? Para a vida
material, a posse do necessário e para a vida moral, a consciência
pura e a fé no futuro. Essa diretriz doutrinária atende,
realmente, aos ideais de felicidade que cada pessoa desenvolve em
si mesma?
A doutrina kardecista de modo algum condena o bem-estar, nem
mesmo a acumulação de riquezas, desde que seja com fins não
egoístas. Mas, na essência de cada um, o supérfluo não
acrescenta um til às aspirações de paz e equilíbrio que são
as jóias do coração, a brisa da alma, em qualquer tempo.
Cada pessoa carrega consigo, como a tartaruga sua carapaça, a
sua realidade espiritual. Seus medos, ansiedades, idéias
funestas ou positivas, seu ideal do bem, sua decisão de crescer,
estruturam seu ser, sua condição psicológica a nortear seu
caminho.
Se pudéssemos pensar na felicidade como um estado de espírito
onde o ser encontra-se centrado em si mesmo, no sentido do equilíbrio
psicológico, ela só será conseguida com a consciência pura,
isto é, sem traumas e medos, sem ansiedades e desilusões.
Ser feliz seria, então, ter um equilíbrio relativo, uma disposição
de servir, afastando o egoísmo, tentando compreender as
diversidades pessoais e humanas e possuir paixão pela vida, pelo
amor, senão universal, mas capaz de doação, de partilha e
participação.
Compreende-se assim que ser feliz é um todo de atitudes e estar
no mundo, carregando certamente dúvidas e mesmo aflições, mas
de modo algum descendo ao poço da insatisfação, da descrença
e do desinteresse pelas coisas, pessoas e idéias.
Ser feliz, certamente, é ter um ideal e lutar por ele, mesmo em
meio a incompreensões.
Ser feliz, enquanto pessoas relativas como somos, é possuir a
chama viva de jamais desistir, ainda que sob o peso de
responsabilidade e até uma atitude de prevenção contra o próprio
fracasso e, ainda aí, continuar reelaborando metas e saber-se
parte de um processo dinâmico.
Ser feliz é jamais se isolar.
Ser feliz é manter a fé em si mesmo e em Deus como condutor da
vida e das cosias.
Ser feliz é jamais renunciar ao desejo de ser feliz.