Artigo de Fábio Campos - Abril de 2001
Entre o Credo e a Luz da Razão
Buscamos
ao longo da vida, nos firmarmos em nossos ideais, granjear posições,
angariar prosélitos, enfim, encontrar um espaço na sociedade.
O preço disso tudo pode ser bem alto. Vejamos então o
Espiritismo. Nascido em berço do Iluminismo, palco de grandes
descobertas e revoluções sociais, a Doutrina Espírita, então
codificada por Allan Kardec (professor Rivail), encontra um cenário
hostil ao "sobrenatural". O ser humano banhado pelo
positivismo, pelas luzes do saber que as ciências objetivas lhes
lançavam, não queria mais excursionar pelos domínios da Religião.
Deus, espíritos e tudo o mais eram coisas para os "pobres
de espíritos"; por outro lado, tinha-se a constituição
dos "grandes poderes", de um lado a já consolidada
Religião Católica, do outro a não menos fortalecida Religião
Protestante, ambas filhas do mesmo pai, o Cristianismo.
Kardec, célebre pensador, via-se numa situação singular:
encontrava no novo espiritualismo a lógica e a razão alinhada,
o campo para a ciência, enfim, percebia a substituição do
"sobrenatural" pelo "natural", por outro
lado, entrevia as dificuldades da divulgação de suas pesquisas,
afinal, a comunidade cristã não permitia e tão pouco cria na
comunicabilidade dos "mortos", fato este demonstrado
por essa nova Ciência da Alma, como mais tarde Bozzano a iria
chamar - e do outro, cientistas e intelectuais amparados por um
materialismo arrogante refratários a quaisquer discussões sérias
sobre assuntos espiritualistas .
O que fazer ante esse impasse, de um lado céticos por natureza,
negadores de antemão, de outro, fanáticos pela palavra
"divina", ovelhas facilmente manipuladas....Kardec
optou por encontrar o espaço para a Doutrina Espírita entre
estes últimos, anexou a pecha de "filosofia cristã",
e graças a isso, ganhou a simpatia de muitos, conseguiu promover
a divulgação do Espiritismo, conquistou a publicidade, chamou
assim, a atenção dos pensadores céticos, que na busca da
"desmistificação", encontraram uma ciência sólida e
bem definida pela lógica e razão, em suma, morderam a
"isca"!!
Porém, o preço desse convite de "apresentação",
custaria caro ao Espiritismo, custaria a destruição de uma
filosofia "universal", a medida que "selecionava o
público", dificultando o acesso aos não-cristãos.
A coisa ficou mais feia, quando o Espiritismo chegou ao Brasil,
país de tradição afro-européia, com o sincretismo religioso já
impregnado em toda a sociedade. Não tardou para que os
religiosos daqui cuidassem de transformar a Doutrina Espírita
numa Religião Espírita, menos universalista e racional ainda...
Nos dias atuais, o que vemos é a desfiguração da filosofia
contida no novo espiritualismo. Vemos novamente a fé cega e o
dogmatismo, características do cristianismo, adentrarem no meio
espírita sem pedir licença. Mais e mais o Espiritismo se
aproxima do cristianismo...
Com certeza, não era isso que Kardec imaginava ao usar o nome
Cristianismo. Ele queria apenas chamar a atenção do público,
crendo que, uma vez de posse das informações contida na
Codificação, as pessoas iriam esquecer "naturalmente"
as proposições cristãs. Percebe-se isso ao lermos os artigos
mais antigos do codificador, na qual ele insiste em declarar que
o Espiritismo não é uma Religião, já antevendo o rumo que o
movimento espírita ensaiava.
Resta-nos como espíritas duas opções: instituir de vez o Credo
Espírita, postulados na Religião dos Espíritos, ou buscarmos a
luz da ciência e da razão, postulados no bom senso. A escolha
é só nossa.
Fábio Campos reside em São Paulo, Capital.
E-mail: campos.usp@bol.com.br