Artigo de Jaci Régis - Março de 2001
Ele entrou encabulado. Era um homem alto, magro,
não muito magro. Estendeu-me a mão suada.
Sentou-se e seu rosto me pareceu sofrido. Onde estava seu olhar?
Conversamos e ele contou que tinha lido em algum lugar que seu
caso era de fobia social.
Na verdade resolvera procurar-me porque tinha tido uma desilusão
amorosa. A historia que narrou foi interessante.
Conhecera no ônibus que tomava para o trabalho, uma jovem e
entre eles nasceu uma ligação afetiva.
Pelo menos por parte dele. E agora, ela não estava mais viajando
no ônibus e isso o perturbara. Afinal, sentira afeto, desejou
ardentemente falar para a jovem alguma palavra amorosa, convidá-la
para sair, talvez para namorar.
Mas durante todo o tempo em que viajaram juntos, ele não teve
coragem de dizer uma palavra que não fosse o trivial. nada
pessoal. Bem que ensaiou e, muitas vezes, parece que as palavras
vinham à boca. O silêncio foi mais forte. E ele estava ali,
derrotado.
Tinha mais de 30 anos, sem amigos, sem amor e jamais tivera uma
relação sexual. Receitara para si mesmo, que era um fóbico
social. Uma tipo de neurose em que a pessoa se julga o centro do
universo.
Isola-se porque, na sua mente, todos estão olhando para ele. E
essa perspectiva de ser o centro das atenções acentua o
processo de autocensura, porque teme fracassar, não dar conta do
recado.
Essa fuga protetora imaginária cria raízes fundas. E a pessoa
afasta-se para um universo particular, no caso dele, o seu
quarto.
A relação familiar era muito fria. Morava com os pais. Tinha
apenas uma irmã, casada e um sobrinho.
Com formação universitária, era pequeno funcionário público
e fazia tarefas repetitivas, sem perspectivas de amplia seu
campo.
- Como você se acha? perguntei-lhe...
- Acho-me feio, sem graça, um fracasso. Qualquer rapaz de 18
anos me passa à frente.
- Não vejo ninguém aqui feio, disse-lhe olhando-o nos olhos.
Apontei-lhe o grande espelho e pedi para que se olhasse. De pé,
ele mirou-se demoradamente. Pareceu-me que a imagem que via era
de alguém desconhecido, um outro personagem..
- Então, o que achou?
- Nada de interessante, explicou.
Conversamos muito mais e ele se foi. Fiquei pensando a razão
porque a alma se nega a viver. A vida existe, prossegue, morna,
inevitável, irritante. Mas o viver falha, cai no abismo da
inutilidade.
Embora no seu íntimo continuem intactas as aspirações de ser
feliz, de encontrar amigos, namorada, casar, ter filhos, ergue-se
uma parede e fecha-se o coração à mais simples manifestação
de afeto.
Existe um conflito pungente. Quer ser forte, até imagina-se
forte, mas é pessoa frágil, inibindo o sentimento. Como
precaver-se desse mal?
A receita pode ser fácil, talvez dizendo que deve-se romper as
barreiras, sair do ostracismo, enfrentar os desafios. Mas a
realidade é um pouco menos florida.
Nesses momentos há como uma paralisia existencial. Os movimentos
mentais são lerdos, medrosos. A pessoa não ousa dar um passo.
Porque dar um passo é apavorante, angustioso, insuportável, a
morte.
Podemos entender que o Espírito renasce, como no caso em tela, já
com tendência a se defender do perigo imaginário que o contato
com o outro parece trazer-lhe. Talvez experiências
traumatizantes de desilusão ou fracasso, gravadas indelevelmente
na memória, constituam o pano de fundo de um comportamento
arredio, isolado..
Nem o choque reencarnatório pode, quem sabe, quebrar a inércia
defensiva. Junte-se uma família sem uma atividade afetiva explícita
e os obstáculos naturais, que todos enfrentamos na infância, são
potencializados e o quadro se acentua negativamente.
Não se pode dizer com certeza quando começam a se estabelecer
na alma os fatores que criam os núcleos neuróticos. A neurose
é um sintoma. E quando surge ela já está estabelecida. Como
também não sabemos como começam a desmanchar os núcleos neuróticos.
Só sabemos quando o comportamento começa a mudar e isso é
notado, primeiramente, pelos outros.
- Como você está mudado! Percebe alguém.
- Hoje andei de ônibus e não pensei nisso, dirá alguém que
para andar de ônibus era um martírio.
O homem que sentou-se à minha frente, se persistir mudará. Terá
sua auto-estima recuperada ou restaurada e, simultaneamente,
perceberá que não é o centro do universo e que passa
despercebido na cena sem que isso lhe cause transtornos maiores,
aliviando-lhe o egocentrismo e permitindo que ele enxergue os
outros como capazes de lhe dar prazer, ajuda ou convivência
agradável.
Como somos todos Espíritos em processo de aprendizado, temos
muitas brechas no nosso arcabouço mental. Nossa mente transita
entre dúvidas e medos. Queremos ser amados, mas muitas vezes
temos medo de amar Ansiamos ter amigos e, entretanto, temos
muitas críticas e posições mentais afetadas, que nos afastam
e, pior ainda, nos agrada manter-nos afastados.
Embora não seja muito agradável, temos que concordar que somos
os autores do enredo de nossas vidas e interpretamos papéis nem
sempre adequados ou que tragam respostas agradáveis.
Quando as dúvidas começam a ser avolumar, desviando o fluxo de
nossos sentimentos, inibindo-os ou substituindo realidades por
fantasias é tempo de procurar auxílio.
Sobre a sexualidade há dúvidas que são sanadas com simples
explicações. E quando mais profundas, também podem ser
solucionadas. Sobre a auto estima podemos reavaliar nossos
pensamentos e crenças para que nos situemos com possível equilíbrio
na relação afetiva conosco e com os outros.
Enfim, é preciso agir antes que as coisas assumam proporções
difíceis.
O homem que sentou-se à minha frente, desceu ao fundo do poço.
Precisará reavaliar conceitos, crenças e atitudes para
readaptar-se à vida comum. Por ora, entre sofrimentos e gozos
excêntricos, sente que há um vazio na alma. Busca o amor e não
sabe o que é amar e teme o fracasso tanto sexual quanto amoroso.
Rejeita tudo e todos. Acentuando a solidão.
Como diz o refrão, é melhor prevenir do que remediar.
Analise seu comportamento, avalie suas crenças, medos e
perspectivas. Se verificar o decréscimo do ânimo, a descrença
crescer e fugir para o isolamento existencial, é tempo de
procurar auxílio e evitar o pior.
Leia as questões abaixo e escreva sua resposta sinceramente.
Depois, analise o grau de sua realidade interior e tome providências
que lhe ajude a ser mais feliz.
Qual minha opinião sobre eu mesmo?
Como me relaciono com minha sexualidade?
Que desejos me dominam?
Qual meu projeto de vida?
Estou pronto para amar?
Estou pronto para ser amado (a)?
O que estou fazendo para colocar tudo isso em
prática?
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