Artigo de Jaci Régis - Outubro de 2001

Chorei diante de Todos

As lágrimas vieram e não pude conte-las. Chorei na frente de todos.
Era apenas um grupo de jovens cantando. Eles haviam dirigido uma participação no simpósio. Compenetrados e nervosos, estreavam num evento maior, que reuniu mais de 100 pessoas.
Enquanto aquele grupo de moças e rapazes cantavam, vi-me voando no tempo, no aprendizado, nas lutas e nos combates em prol da obra de Kardec.
Chorei diante da multidão. Como evitá-lo? Como disse o poeta, na visita à casa paterna, uma saudade gemia em cada canto, em cada canto gemia uma saudade.e, como ele,... o pranto jorrou-me em ondas... 
Mais tarde, Medran diria que simbolicamente aqueles jovens eram todos “netos do Jaci”, referindo-se não apenas aos meus quatro netos carnais, três belas moças e um belo rapaz, mas ao conjunto de rapazes e moças que cantavam e faziam a platéia cantar.
Chegáramos ao fim de mais uma jornada. Sonhada, vivida, sofrida. 
Ali, sentado na primeira fila, a emoção invadiu-me sem remédio. Emocionei-me até a raiz da alma. Mistura, talvez, das emoções do evento com lembranças recônditas, subitamente trazidas ao consciente. 
Nenhuma nostalgia, pois vivo intensamente o tempo presente, meu tempo é hoje, minha idade, minhas idéias, projetos... Nenhuma volta ao passado, mas a vibração do presente na voz dos jovens...
Em certos momentos, fazemos um retrospecto sem imagens, nem idéias. Nossa vida volta sem formas, dominada pelo poderoso sentido da emoção, que nos invade, nos domina.
Aqueles jovens eram os representantes de centenas de jovens que se revezaram ao longo desses anos, mantendo viva a semente plantada, ampliando-a, reduzindo-a, remodelando-a, mas mantendo-a viva.
Agora, enquanto escrevo, passam pela minha visão, os rostos desses jovens que marcaram época e que comigo caminharam. Alguns mortos outros ainda aqui e outros caminhando seu caminho. Por momentos, antigos companheiros desfilaram na visão da alma e resgato seus sorrisos, suas formas particulares de viver.
Penso que plantei uma boa semente. Algumas caíram em terreno apropriado a crescer com firmeza, dando frutos. Outras brotaram sem profundidade, logo morrendo. Por fim, as que encontraram um solo que não permitiu que a semente morresse no coração para surgir vigorosa no transcorrer dos anos.
Mais de uma centena tinha vindo ficar três dias estudando, partilhando o ar, o ambiente, criando uma psicosfera amiga, produtiva.
Diante de meu choro, bateram palmas, apoiando-me.
— Sou cardíaco, avisei, enquanto tentava encontrar o ritmo da respiração e o sentido das palavras.
A vida passa como o vento que sopra sem cuidado, arrastando poeira, arrancando árvores, agitando águas e, no fim, clareando o céu.
Assim, 54 anos se passaram na contagem inexorável dos dias e horas de minha vida.
Alguém me diz “...enfim, estão te compreendendo...”.
Isso importa muito. Ser entendido e amado é a aspiração maior de todos nós e não seria eu diferente.
Vendo jovens e adultos, mulheres (em maior número) e homens, reunidos para tentar manter vivo o pensamento de Allan Kardec, a quem admiro crescentemente pelo brilho de seu talento, a clareza de sua mente e pela consistência de seu pensamento, é um prêmio para qualquer um que ame o Espiritismo. E que vê nele, não a solução de todos os problemas, mas o encaminhar do entendimento para caminhos não apenas razoáveis, mas seguros.
Aquele era um momento solene. Estávamos unidos pelo mesmo ideal.
Não tínhamos a pretensão de possuir o domínio da doutrina de Kardec, aberta quantos queiram encontrar nela a diretriz que traçou, mas que, entretanto, temos a certeza que nos aproximamos de seu ideário, das apreensões e do elevado espírito aberto, amplo, sob certa maneira, além do seu tempo.
A platéia esperava. E, finalmente, pude, com dificuldade, prosseguir o encerramento.
Todos estavam emocionados. Muitos vieram me abraçar, coroando meu Espírito de sentimentos sutis, como um perfume suave a envolver o coração.
Desfilaram pessoas com suas opiniões e visões. O Simpósio fora um sucesso. O ar estava impregnado de emoção, uma viva sensação de saudade e de alegria porque havíamos convivido três dias com intensa troca de afeto, inteligência, perguntas e respostas.
Dentro de pouco tempo cada um partiria para o seu dia-a-dia, levando saudades, amizades e esperanças de um breve reencontro.
As lágrimas secaram. Senti-me revigorado, embora cansado pela emoção. Novos caminhos seriam caminhados. Novos empreendimentos, esperanças. Vieram-me à mente os versos de Gonzaguinha que cantamos no worshop “viver e viver, sem ter vergonha de ser feliz”.
Saí. O sol brilhava e o céu estava azul. A felicidade invadiu-me a alma.

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