Artigo de Egydio Régis - Maio de 2001

Chorar a Morte

Meu companheiro Eugenio Lara costuma dizer que há dois pecados para os espíritas: chorar e rir. Especialmente para aqueles que se destacam como líderes no movimento. Em nosso meio, há quem pregue que o espírita deve ser soturno, deve, quando muito, sorrir de leve. Gargalhar, é um escândalo. É coisa de espírito inferior. O espírita não é humano, não está sujeito aos hormônios, aos distúrbios hepáticos, etc. Não pode ter raiva, não pode se exaltar, falar alto, nem xingar quando lhe pisam nos calos.
Chorar, somente por emoção de piedade ou prazer espiritual. Chorar a despedida por viagem, antecipando a ausência e a saudade da pessoa querida, tudo bem. Chorar a partida de alguém pela morte, isso não. É demonstração de fraqueza espiritual, falta de conhecimento doutrinário, decepção para os idólatras. “Nunca imaginei que fulano, conhecedor e até palestrante, ou escritor espírita, pudesse derramar-se em lágrimas diante de um caixão mortuário”, diria o espírita convicto.
A morte de um ente querido ou mesmo de um amigo, espírita ou não, é sempre um momento triste, penoso. Quando por idade ou por doença prolongada, até dá para a gente ir-se acostumando com a idéia de perder a companhia física dessa pessoa, e ainda assim, não deixa de ser triste. A tristeza, provoca em nós humanos, uma reação natural que nos sensibiliza a tal ponto que, não se sabe porque, as lágrimas começam a despencar de nossos olhos de uma maneira incontrolável. Quando o desenlace se dá inesperadamente, em pleno vigor da mocidade, de maneira violenta, rápida, estúpida, não há compreensão capaz de superar a dor da perda súbita. Então choramos sem pensar.
O choro funciona como uma espécie de válvula de escape, um alívio de pressão, que a natureza sabiamente criou talvez para salvaguardar o próprio equilíbrio orgânico e psíquico das emoções mais fortes que nos assomam em momentos tais como a morte de pessoas queridas. Não chorar, quando a “válvula” se abre, é um ato falho, talvez até perigoso para a saúde. Evitar o choro para parecer forte e não se comprometer na frente dos outros, é um ato hipócrita, uma demonstração de fraqueza quanto às próprias convicções, além de um atentado contra o próprio equilíbrio orgânico e/ou psíquico.
Evidentemente que não estamos defendendo aqui a histeria, o exagero, nem a demonstração pública de afetos desequilibrados ou teatrais. Isso sim não é admissível ao espírita que entende que a morte não é o fim do Espírito. A morte é o fim do homem, enquanto ser fisicamente reconhecido. É uma viagem, sem volta para o mesmo personagem. Quando ele (o Espírito) voltar por força da lei de reencarnação, não será o mesmo personagem. Tomará outra cara, outro sexo, talvez. Terá outro nome, outra família, outra profissão, outra cidade etc. Portanto, o personagem morre, mas o ator sobrevive. Os espíritas sabemos muito bem disso. Mas, o personagem ao final da “novela”, deixa saudade, deixa um grande vazio. Nos apaixonamos pelo personagem, vivemos intensamente o seu papel e quando ele nos deixa, mesmo sabendo que continuará sua carreira, deixa-nos órfãos de sua presença marcante e por isso, choramos e lamentamos.
Em fevereiro próximo passado, fez um ano que partiram para outra dimensão a minha filha Eliane, meu genro Edson e minha netinha Laíz, em conseqüência de uma trágica e criminosa ação de um jovem infeliz. Os amigos mais próximos e que acompanharam as exéquias, devem ainda lembrar-se da imagem dos três caixões no salão do necrotério, e a comoção geral, sem exageros, que tocou a todos ali presentes. Quem não derramou lágrimas diante de quadro tão triste? Como pai, senti-me impotente para controlar o choro. Não de inconformação, não de revolta, porque já conseguimos superar com a Doutrina Espírita, esse tipo de reação diante da morte. Mas, um choro de amor abatido, de perda traumática, de não ter podido dizer um até logo, como se faz numa despedida.
Ao meu lado, um homem forte, um lutador, um pai, um líder temido por sua produção doutrinária e por sua coragem moral, chorava com lágrimas fartas, aliviando seu coração safenado, emocionado diante da partida tão brusca de uma sobrinha tão querida, e de seu marido e filha. Sim, Jaci, o Regis, chorou bastante. Emocionou-se, porque é feito do mesmo barro que todos nós. E sabem porque faço aqui essa importante citação, sem que ele tenha me autorizado, porque não lhe consultei? Porque ouvi, de amigos e parentes, comentários surpreendentes pelo fato do Jaci ter chorado.
Meu irmão Arnaldo, falecido há pouco, espírita estudioso e coordenador de grupos de estudos do Espiritismo, telefonou-me para me consolar e comentou esse fato como se fosse um grave pecado pessoas, como eu e especialmente o Jaci, chorarem diante da morte. Foi o assunto da semana nos meios espíritas em Santos e em outros lugares, segundo soube. É como se tivessem flagrado o homem que talvez julgassem insensível, em um momento de grande fraqueza. “Um espírita desse gabarito chorar a morte de alguém, é inaceitável”, deveriam estar comentando. Nada mais incoerente. A dor, seja física ou moral, nos faz chorar, naturalmente. Quando Jesus de Nazaré derramou lágrimas na cruz, não foi apenas por piedade de seus carrascos, mas naturalmente pelos ferimentos em seu corpo que lhe causavam grande dor. O choro, repito, é uma reação natural aos sentimentos de dor, sejam de que natureza ou origem forem.
Assim, não há nada de anormal quando choramos, especialmente nos momentos de grande ausência que provoca em nós a morte de pessoas queridas. Quem não consegue chorar nessas ocasiões, é bom procurar um médico ou psicólogo, porque alguma coisa está errada. Ou, então, algum sentimento menos nobre em relação à criatura que partiu, está alojado em seu coração.

Egydio Regis foi presidente do Centro Espírita Allan Kardec, presidente da União Municipal Espírita de Santos e é membro do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita.