Artigo de Jaci Régis - Outubro de 2001

A Ação Divina nos Atos Terroristas

Quando acontece um fenômeno de grandes proporções, com mortes e destruição coletiva, os espíritas, de um modo geral, se exaurem na procura de respostas para tamanha barbaridade. 
Essa preocupação decorre do modelo extremamente determinista, quase fatalista que permeia o ensino espírita atual. Esse modelo determinista parte do princípio de que a vida terrena é um ensaio de provas e expiações, o que significa que a humanidade é culpada e que tudo está sob extremo controle divino.
Os acontecimentos, de modo geral, segundo esse modelo, seguem uma espécie “de acordo” com as autoridades celestiais, que autorizariam atitudes criminosas, para propiciar o progresso, resgatar dívidas de grupos, enfim, punir as criaturas a fim de que despertem para o bem. Para os que estão nessa atmosfera emocional não é possível pensar que tais acontecimentos sejam realizados fora desse controle divino.
Tudo tem uma causa, uma razão e um fim. É a interpretação radical da lei de causa e efeito.
Onda de Terror
Só com o terrorismo estatal, vivenciamos nesses setenta e poucos anos, pelo menos três grandes ondas de terrorismo, patrocinado pelo Estado.
Começando com o nazismo, tivemos o flagelo imposto por Hitler, ameaçando a liberdade e o gênero humano com seu sonho de raça pura, o combate degenerado contra judeus e outras minorias. 
Depois da II Guerra Mundial, surgiu a onda do terrorismo espacial e ideológico do mundo, com a Guerra Fria, perpetrado pela União Soviética e Estados Unidos. Nesse longo período, uma ameaça permanente abateu-se sobre a humanidade, diante do poderio atômico. 
Com a derrubada do Muro de Berlim, simbolizando o fim do sufoco da liberdade na Alemanha e em grande parte do mundo, vimos o desmantelamento da União Soviética e compreendemos que o terror estatal ali foi dos mais horrendos com o assassinato, o desterro de milhões, em gulags e campos de concentração, idênticos ou piores do que os campos nazistas.
Sozinho, os Estados Unidos da América, tornou-se o alvo de admiração, idolatria e de ódio. Este quase sempre provindo das chamadas “esquerdas” autoconsideradas “democráticas e progressistas”, que jamais perdoaram o potencial capitalista americano, invejando-o e tornando-se “fundamentalistas” ideológicos.
Agora, desde Khomeini, temos a onda terrorista semi-estatal dos fundamentalistas árabes. O ódio contra os Estados Unidos é mais ou menos desseminado nas sociedades pobres e emergentes, psicologicamente justificado pela inveja do “pai”. A pujança e a liberdade ali existentes é pedra de tropeço para a incompetência e o totalitarismo. As nações “socialistas” são ditaduras, como Cuba, China, Coréia do Norte. Além disso, os gastos americanos seriam, teoricamente, culpados pela miséria e pela fome.
Na visão simplista, bastaria os Estados Unidos e os países ricos desejarem e a erradicação da miséria seria alcançada quase imediatamente.
Tais pensamentos, embora generosos em sua tese, guardam certo rancor e escondem ideologismos, transferindo para eles o ônus do progresso e da autodeterminação das nações.
Ausência de Deus
Nos momentos dramáticos que enlutam o mundo, diante de ameaças de calamidades ou de morte de pessoas ilustres, organizam-se “cultos ecumênicos” em que as diferentes religiões convocam seus fiéis para pedir a misericórdia divina. Nesse entendimento Deus pode, se quiser, minorar o sofrimento, freiar a escalada impiedosa, evitar a morte.
Quando o foco das calamidades é a reação da natureza, pensa-se que Ele poderia evitar, pois teria o domínio de todas as coisas. Quando essas calamidades provêm dos atos humanos, pensa-se que Ele poderia ceifar a vida ou criar obstáculos tais que os atentados, as guerras, enfim, as tragédias humanas seriam evitadas.
Entretanto, na maioria das vezes as preces, os cultos têm sido vãos. Os fatos sucedem-se, as mortes acontecem, os cataclismos e tragédias prosseguem, como se Ele fosse indiferente.
O brado que muitos levantam aos céus, acusando Deus de omissão, perguntando “onde estavas quando precisei de ti”, ecoa nos corações e nas vidas, porque Ele é Todo-Poderoso, tudo vê e decide, como um gerente de uma grande firma, os menores detalhes da vida. Não está escrito que não cai uma folha sem que Ele saiba?
Não fora isso, onde estaria Deus que não evita tanta morte e destruição? Isso mostra que a visão de Deus continua mais ou menos à do Velho Testamento, onde Ele mostrou-se irritado com suas criaturas e promoveu o dilúvio para matar a quase totalidade das pessoas afogadas, mandou chover enxofre quente sobre Sodoma e Gomorra. Nessa visão, o atentado contra as torres de Nova York e o Pentágono, no fundo, teria o beneplácito Dele, gerente que seria das contradições humanas, tolerando até certo ponto os desvios, mas procurando ceifar o problema com morte e destruição.
A Posição Espírita
Louvo-me da manifestação de alguns espíritas, publicadas em jornais para elaborar esta parte deste artigo.
Leio que para justificar a tragédia do terrorismo: “perante as leis de Deus, ninguém paga sem dever — é a Justifiça Divina” e que “Os integrantes de uma coletividade são, necessariamente, solidários no bem e no mal que tenha praticado em comum”.
Outro tema muito explorado nesta hora é o Apocalipse. Esse livro enigmático é pasto para infinitas interpretações, sempre funestas, violentas e terroristas. Isso mesmo, o Apocalipse pode ser classificado como um livro “terrorista” pelos quadros dantescos e destrutivos que mostra.
Pois alguns se dedicam a encontrar nele diretrizes para o futuro. Como as profecias não valem para nada, o livro que seria de autoria do Apóstolo João, é desses que não ajudam a humanidade a encontrar um caminho sereno.
Um autor de livro apocalíptico, diz: “tem-se a amarga sensação de que caminhamos perdidos, faltos de outras soluções, fazendo-nos crer a cada dia que os homens não têm mais condições de dirigir os seus destinos...”.
O autor sente que não há remédio senão a intervenção de forças muito mais poderosas que as da humanidade “soterrada sob o orgulho e o egoísmo”. Tais forças fariam a “restauração da concórdia e da paz nas humanidades, respeitadas as liberdades de agir, mais disciplinados os desvios com provações planetárias redentoras de almas, que as sanearão para a reconstrução de sociedades humanas assentadas afinal na paz, na cooperação, na solidariedade”.
Essa pretensão de que a violenta intervenção divina acabará com os problemas humanos é velha e insólita. No jargão do Espírito Ramatiz, também existe essa posição sado-masoquista pela morte e pela destruição, com maremotos que liquidariam 2/3 da humanidade. 
Os que assim pensam não pensam espiritistamente.
Allan Kardec em A Gênese trata do “fim do mundo” e do porvir de modo tranqüilo, único aliás, que é a transformação das pessoas ao longo do tempo, incluindo uma hipotética transmigração de Espíritos terráqueos para outros planetas e a vinda de Espíritos de orbes mais equilibrados para compor a humanidade.
Outro autor, também apocalíptico, diz que “a dor é grande, as conseqüências são imprevisíveis para a humanidade, mas tudo estava escrito. O presidente George W. Bush acaba de declarar que começou a luta do mal contra o bem. Achamos que o enfoque é outro: a luta é do mal contra o mal, para a vitória do Bem”.
Analisando os fatos, diz outra articulista: “Foi acaso? Não! No universo não existem acasos, pois se assim fosse não existiria a Criação Divina e não poderíamos chamar Deus nosso Pai... Tudo é planejado minuciosamente de maneira que o progresso não seja interrompido até mesmo em casos como este”. 
Ela afirma que a desencarnação coletiva reúne Espíritos que “carregam marcados em seus perispíritos débitos semelhantes e que são reunidos num determinado tempo e lugar para um resgate coletivo, numa ação de há muito planejada para a desencarnação súbita e em conjunto”. 
Na lógica da articulista, os terroristas tiveram a supervisão da divindade para planejar os atentados, enquanto, possivelmente, Espíritos se encarregaram de reunir as vítimas para a morte violenta. Quanto aos terroristas, eles serviram de instrumentos para a expiação coletiva, “aproveitando uma ação desde há muito planejada para a desencarnação súbita de muitos indivíduos”. E arremata “as desencarnações coletivas, portanto, não são obras do acaso. São Espíritos devedores que, em algum momento de suas existências ao longo das várias encarnações cometeram falhas e decidiram reunir-se numa outra vida e então, resgatar em conjunto os delitos anteriormente praticados e que atrasavam sua evolução”. Dito isso, segundo a autora, podemos ficar tranqüilos, satisfeitos e, como sempre, mais uma vez foi feita a Justiça Divina!
Daí não haver razão para retaliações, pois tantos algozes como vítimas estavam agindo dentro das leis divinas.
Participando de um culto ecumênico, disse um dirigente espírita: “vamos todos orar e vibrar para que Deus se compadeça de nós nesta hora tão triste, quando fanatismos e preconceitos denigrem a imagem da nossa civilização”.
Conclusão
Os trechos transcritos parecem ser representantes da média do pensamento de grande maioria dos espíritas. De um lado, um medo de achar que alguma coisa esteja fora do controle divino, pois tudo é planejado minuciosamente. De outro, o disfarce teórico de que tudo está perfeito. E, por seu turno, temos os apocalípticos, adoradores do caos, da dor e do sofrimento, espalhando os desalentos que invadem suas almas, supondo que somente a destruição resolve os problemas humanos.
De minha parte digo que a humanidade cresce e se aperfeiçoa sempre. O crescente debate sobre a miséria e a violência são reflexos do despertamento social, humano, mostrando uma nova face da humanidade. As classes mais bem postas na hierarquia social, começam a derrubar as barreiras do egoísmo e da indiferença e assumem suas responsabilidades, com as realidades de grande parte da humanidade, submetida a pressões religiosas, políticas e ao egoísmo generalizado e, por seu lado, também conformada às condições insalubres, miseráveis e mesquinhas em que se acomodam.
Os cultos ecumênicos são válidos na medida que qualquer mobilização mental e fraternal pela paz é sempre útil e positiva. Mas esses cultos deveriam antes ser chamados de “cultos da culpa”, porque neles o fracasso das religiões é evidente e claro. Católicos, evangélicos, muçulmanos e outras denominações religiosas, embora existentes em todos os continentes guerreiam entre si. Os líderes das nações são religiosos e isso não impede que pratiquem políticas nefastas, anti-humanas e promovam sofrimento e discriminações.
A humanidade sempre encontra saídas e as encontrará agora também. Esses acontecimentos, não são, na minha visão, minuciosamente preparados pela divindade para infligir sofrimento e punir a humanidade, mas estão dentro do quadro mental, político, econômico e moral da maioria dos seres que habitam este belo planeta, lidando com a própria imperfeição, baseada, sem dúvida, no egoísmo.
Assim será, porque cabe aos seres humanos encontrar saídas para seus problemas. A divindade não está ausente. Mas age de forma bem diferente do que as religiões sempre disseram, como supostas porta-vozes de Deus. As provas estão aí. Tentar tapar o sol com a peneira com explicações tendenciosas e teóricas não é serviço de valor para a paz e o entendimentos das pessoas.