Artigo de Eugênio Lara - Janeiro / Fevereiro de 2001

Do Assistencialismo ao Social

Recebo do companheiro Gilberto Guimarães da Silva uma crítica ao texto Espiritismo Social, escrito por mim neste espaço em dezembro passado. Confesso que não costumo responder a críticas sem fundamento, repletas de retórica, que entram no campo pessoal, expressando intolerância e sectarismo. Já foi a época que perdia tempo com isso, com o patrulhamento ideológico, o fanatismo. Artigos, ensaios, palestras e até livros têm sido produzidos com o objetivo de denegrir e combater o trabalho que desenvolvemos neste Abertura e em outros espaços de atuação doutrinária. A Internet, então, virou a panacéia dos criticadores solitários, que não têm o que fazer e vivem manejando sua metralhadora giratória de modo irresponsável e inconseqüente.
Já a crítica de Gilberto publicada nesta edição, na seção Cartas Abertas, é sincera, chega a ser amável. Mesmo considerando que sua interpretação foi mais de forma do que de fundo, pela importância do tema me vejo no dever de responder.
Quando digo que o fim do Espiritismo será melancólico se os espíritas não modificarem sua postura diante da realidade social e da própria Doutrina, não significa que essa formidável filosofia espiritualista deixará de existir. É ingenuidade pensar assim. Até hoje subsistem formas arcaicas de adoração à natureza, manifestações religiosas da época do paganismo, formas exóticas de satanismo. Há gosto para tudo.
Não existe Espiritismo em si, Espiritismo platônico. Ele passou a existir a partir do momento em que seu fundador deu-lhe uma forma, uma estrutura e o inseriu na cultura de seu tempo. Aí sim ele passou a ter uma existência social, comunicacional. Essa idéia absurda de que o Espiritismo existia antes de Allan Kardec e que lhe foi ofertado de mão beijada pelos Espíritos do tal “plano espiritual superior” é uma grande asneira, “é conversa para boi dormir”, como diz o vulgo.
O Espiritismo é uma obra aberta, intercambiável, um processo em andamento, uma forma de conhecimento que navega numa faixa de síntese, daí a dificuldade em entendê-lo e praticá-lo em toda sua plenitude. Não é demais repetir o velho chavão de que há pessoas que entram no Espiritismo mas o Espiritismo não entra dentro delas.
O saudoso Krishnamurti de Carvalho Dias costumava dizer que espírita religioso é que nem siri. Para poder respirar e extrair o oxigênio necessário a sua sobrevivência, ele leva consigo a água dentro de sua carapaça. Por isso o siri consegue andar na praia sem morrer afogado. Como o nosso simpático crustáceo, o espírita religioso leva dentro de si aquele anseio místico, aquela necessidade religiosa, que todos devemos respeitar. Só que o autêntico Espiritismo “é outra praia”, não atende aos interesses dessas pessoas, por isso a adaptação, a aculturação, o “jeitinho brasileiro”, fato esse que a sociologia e a antropologia têm muito a esclarecer.
Historicamente o Espiritismo brasileiro se constituiu num movimento assistencial. Temos um grandioso trabalho de assistência social em diversos níveis de atuação. Os espíritas são respeitados não somente por sua conduta, mas pela dedicação aos necessitados de amparo, seja ele moral, material ou mediúnico. Esse trabalho todo somente foi possível devido às condições miseráveis de nosso povo. Um centro espírita na Suécia ou na Suíça teria características completamente diferentes. Lá não tem pobre, não tem criança carente. Lá o Estado funciona, não é como aqui, pois ao invés da preocupação com reeleição, com privatizações espúrias ou turismo político, o organismo estatal é eficiente e preocupado com o bem-estar de seu povo.
Entretanto, meu caro amigo, é preciso avançar. A partir da experiência adquirida com o Espiritismo Assistencial temos que ter a sabedoria de construir um Espiritismo Social voltado para a reflexão dos fenômenos sociais. Nesse sentido, a teoria de valores do Espiritismo é uma ferramenta imprescindível a fim de que possamos ir bem mais além da simples mas necessária distribuição de sopa e donativos. O futuro conspira a nosso favor.