Artigo de Jaci Régis - Junho de 2000

O Telefonema

Foi com supressa que atendi o telefone. A chamada vinha de longe, de uma longínqua cidade do interior do País. A voz de mulher mostrava sua preocupação.

Estava lendo Amor, Casamento & Família e resolveu conversar comigo.

Atravessava um momento de decisão em sua vida familiar.

Estava diante do dilema. Numa dessas circunstâncias da vida, a relação familiar provocara atitudes que, dizia, lhe causavam grandes problemas conjugais.

Dentro dela surgiam idéias, angústias e mensagens íntimas que a preocupavam.

Deveria abrir-se com o marido ou não? Sentia que se propusesse o diálogo franco e aberto, haveria tumulto e desestruturação familiar.

A conversa foi interrompida porque um cliente chegava e eu precisava dar-lhe atenção.

Queria, todavia, ressaltar, o quanto é imponderável o caminho tomado pelas idéias.

Amor, Casamento & Família foi publicado em 1978 e teve sucessivas edições, de modo que cerca de 50.000 exemplares foram vendidos. Se considerarmos que um livro pode ser lido por, pelo menos duas pessoas, cerca de 100.000 pessoas entraram em contato com sua proposta. Deve-se somar uma pequena edição em espanhol, feita em Porto Rico.

Eu fico pensando sobre o poder do livro como veículo de irradiação de idéias. Ele tem uma permanência muito grande, pode perdurar por anos e até milênios. Bem ao contrário do jornal que tem um curso muito curto.

Quando vejo o entusiasmo com a Internet e a tentativa de torná-la o instrumento excelente da cultura, com a profusão de e-mails e home pages, fico pensando que nada substitui o livro.

Vinte e dois anos depois de editado, alguém, em um lugar remoto, liga-se à minha mente e comigo caminha pela reflexão sobre questões do dia-a-dia, das vidas e dos destinos.

Faz-se uma ligação afetiva, intelectual, viva. Certamente hoje temos meios rápidos de fazer que o autor e o leitor entrem em contato, dialoguem e não apenas por cartas como antigamente, embora este seja um grande meio de intercâmbio.

Temos telefone, Internet, fax, rádio, enfim, toda a parafernália eletrônica que tornou este mundo na aldeia global.

A temática do livro aborda a questão fundamental da relação humana.

Pois a relação familiar é básica, luminosa ou trevosa, cruel ou benfazeja.

No cadinho do lar, fluem alegrias, dores, lágrimas, desajustes, no processo de crescimento de cada personagem. Nem sempre a trilogia do título segue seu rumo na vida real. Amor que não pode escoar-se no casamento. Casamento que nem sempre ou poucas vezes se assenta na relação amorosa. Por isso a família idealizada como produto do amor na realização do casamento, é projeto que temos que ter esperança e sonhar para que se concretize.

Não porque este mundo seja "de provas e expiação" e , por isso, os casamentos sejam impostos pela lei de talião. Não. O casamento e a família não se constituíram para serem cenas de retaliação, cobrança ou expiação, defrontando comparsas de dramas passionais.

A união do homem e da mulher no nível natural é instrumento de reprodução. Na ascensão do afeto, está a procura de bases afetivas positivas que criem condições de crescimento. Então, começam as complicações e também o desabrochar da paixão, das ligações que estreitam e se tornam permanentes.

Não existem almas gêmeas, criadas umas para as outras.

Existe a constante afinização de corações no processo de vida e viver em que estamos envolvidos a procura de um equilíbrio afetivo que nos liberte do medo e nos faça trocar, de forma infinitamente sensível, emoções e recíproca ternura, alicerçada em fatores de dignidade e impulsionando para a ascensão espiritual.

Todavia, a felicidade não é mera referência no tempo, é caminho a ser trilhado a principiar pelo desenvolvimento da criatividade, a tornar a vida produtiva, construtiva.

Por ora, dada a grande futilidade das almas que formam nossa humanidade, estamos tateando no caminho do amor, palavra generosa, com tantas aplicações e que, entretanto, representa uma conquista que todos queremos ter e, certamente, teremos.