Artigo de Jaci Régis - Setembro de 2000

Reflexões sobre a Violência

A sociedade se apavora e com razão, diante da escalada de violência praticada por meliantes, criminosos, assassinos, seqüestradores, falsificadores e assaltantes.

Os meios de comunicação preenchem seus horários e espaços com larga divulgação de atos violentos, inclusive com transmissão direta, pela TV, de um assalto a um ônibus, no Rio de Janeiro, levando aos lares o espetáculo da violência e da truculência.

Ignora-se a importância das imagens para a formação de medos e condutas mentais depressivas e ansiosas, geradoras de problemas difíceis para as pessoas. Despreza-se, também, de modo geral, a influência das vibrações emocionais que se comunicam silenciosamente, mas não menos de forma eficiente.

Assim, além da realidade brutal, cria-se uma situação virtual, pela qual cada um pode se julgar a próxima vítima, aumentando o desequilíbrio social.

Nesse sentido, parece ter razão O Livro dos Espíritos quando lemos: "É preciso que haja excesso do mal, para fazer-lhes(o homem) compreender a necessidade do bem e das reformas"(784)

Temos, como fatores preponderantes na explosão da violência:

Causas Psicossociais

1. A visão niilista da existência. Talvez fruto da decaída dos símbolos e das crenças religiosas. Não se trata da inexistência de valores. Estes, na sua essência, continuam presentes nas mentes das pessoas, porque não há como negá-los. O que se vê é um clima social permissivo, um certo desalento da maioria sobre a eficácia desses valores. Se essa maioria, de modo geral, não perpetra crimes visíveis, contribui com sua apatia, com a resistência a assumir rumos definidos no campo da ética, da moral.

2. Se desde o início do século 20, começaram a ser questionados mandamentos e parâmetros sociais cerceadores e castradores, após a 2ª Grande Guerra, esse questionamento tomou um rumo mais definido. Aceleram-se as derrubadas de costumes e tradições. A mais importante, talvez, seja a liberação da sexualidade dentro dessa visão niilista, exacerbando uma pretensa conquista da pessoa para agir irresponsavelmente, instintivamente, sem construir laços duradouros de relação humana. Consequentemente, os padrões de casamento e família são revisados numa perspectiva individualista, egoísta e, certamente, insatisfatória.

Causas Sócio-Econômicas

1. Distribuição da Renda - No Brasil, a pífia distribuição de renda é fator preponderante para manter uma grande parte na miséria e na fome, sem que se encontre um remédio, a curto prazo, para remediar esse fator decisivo.

Nossa sociedade está marcada por contrastes, mas também avoluma-se a massa que reivindica sua participação no bem-estar, provocando certa convulsão social mas que, separados os excessos, é mecanismo decisivo para promover mudanças no cenário econômico e político.

Essa realidade do quadro social seria, em tese, segundo muitos analistas, sociólogos e políticos, a grande senão a única responsável pelo surgimento da onda de violência urbana.

A violência e a precocidade dos criminosos, segundo esses analistas, seria conseqüência da injustiça social e acusam o governo de utilizar um modelo econômico perverso.

2. Desemprego - Ultimamente, além do viés liberal da economia mundial, desenvolveu-se todo um aparato tecnológico e a economia de escala, globalizada, dispensou uma porção considerável de mão-de-obra.

Em toda a economia liberal, o número de desempregados é grande, com exceção, neste momento, dos Estados Unidos.

Agentes da Violência

Existe uma tendência de afastar a responsabilidade dos agentes da violência. Este seriam vítimas do sistema.

Dessa forma o problema é transferido diretamente para as instituições. Curiosamente, a sociedade como um todo, principalmente os detentores do poder econômico são, sob certa forma, poupados. Como a propaganda mais agressiva é promovida pelas chamadas esquerdas, o foco, na verdade para o governo. O governo seria o responsável pela violência, pela deficiência da escola, pela pobreza.

Pois perseguem a utopia do Estado perfeito, capaz de socorrer, planejar, executar, escutar, agir, de maneira absolutamente eficaz todos os males sociais.

É claro que o governo, de qualquer nível, tem o dever de promover o bem-estar social, mas o trabalho é de toda a sociedade.

Entretanto, mesmo que pressionados pela exclusão social, não há como ressalvar a responsabilidade dos agentes criminosos, individualmente.

O Livro dos Espíritos é taxativo: "não há arrastamento irresistível, quando se tem vontade de resistir"(845).

Sobre a crueldade, o mesmo livro nos traz interessantes posições:

Ela( a crueldade) é sempre a conseqüência de uma natureza má.(752)... no tocante às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando seu livre-arbítrio sobre o bem e o mal, é sempre senhor de ceder e resistir"(851).

E mais:

754 - A crueldade não decorre da falta de senso moral?

- Dizes que o senso moral não está desenvolvido, mas não que está ausente, porque ele existe, em princípio, em todos os homens; é esse senso moral que os transforma, mais tarde, em seres bons e humanos. Ele existe no selvagem como o princípio do aroma no botão de uma flor que ainda não abriu.

Contribuição Espírita

O Espiritismo pode ser um fator de equilíbrio na vida social. Pelo ensino da imortalidade ele conduz à compreensão de que a adesão e a prática dos valores morais constituem-se numa necessidade de auto preservação da estrutura mental do ser.

Aparentemente, ressaltar a natureza espiritual evolutiva do ser humano e a perspectiva de uma vida permanente, parece inócuo perante o quadro de realidades sociais e da violência cotidiana.

Todavia, se o aparelho social tiver essa consciência, as elites, as religiões, enfim, os governantes e detentores do poder econômico, terão um comportamento diferente ou menos infeliz que o atual. Essa motivação projetará reformas e modificações sensíveis nas relações humanas.

Segundo O Livro dos Espíritos, o Espiritismo pode contribuir para o progresso: "destruindo o materialismo que é uma das chagas da sociedade, ele faz os homens compreenderem onde está seu verdadeiro interesse. A vida futura, não estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente. Destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor ele ensina aos homens a grande solidariedade que os deve unir como irmãos" (questão 790).

Alguém argumentará que essa premissa, embora generosa, não é apenas incerta, mas demorada, não contribuindo, a curto prazo, para a solução dos problemas da violência.

Certamente, a sociedade como um todo precisa encontrar caminhos para a resolução ou pelo menos minorar o problema social. Mas o Espiritismo jamais pretendeu comandar a renovação social. Sua contribuição, aparentemente sonhadora, é pressionar o pensamento humano rumo a uma nova mentalidade, de respeito à pessoa e às coletividades.

Todavia, para que a Doutrina exerça sua influência, precisa precaver-se com um entendimento pernicioso, que tenta vincular os problemas da existência humana às culpas do passado, ou seja, a fatalidade pré-construida pelo fato de cada pessoa trazer um "pecado originário das vida vidas passadas" e insistir que sofrer é o melhor remédio.

Vejamos, por exemplo, este texto de O Livro dos Espíritos:

866 - Então, a fatalidade que parece presidir aos destinos do homem na vida material seria também resultado do nosso livre-arbítrio?

- Tu mesmo escolhestes a tua prova: quanto mais rude ela for, se melhor a suportas, mais te elevas. Os que passam a vida na abundância e no bem-estar são Espíritos covardes, que permanecem estacionários. Assim, o número de infortunados ultrapassa de muito o dos felizes do mundo, visto que os Espíritos procuram, na sua maioria, as provas que lhes sejam mais frutuosas. Eles vêem muito bem a futilidade das vossas grandezas e dos vossos prazeres. Aliás, a vida mais feliz é sempre agitada, sempre perturbada: não é somente a dor que produz contrariedade.

Se entendido literalmente, o texto pressupõe que a miséria, a exclusão social, seriam requeridas pela própria pessoa e que ser "feliz" é uma covardia.

Tal interpretação levaria a sancionar a injustiça social, a edificação de uma sociedade de sofredores e miseráveis, o que contraria o que está nos itens abaixo:

806 - A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?

- Não, é obra do homem e não de Deus.

808 - A desigualdade das riquezas não tem sua origem na desigualdade de faculdades, que são a uns mais meios de adquirir do que a outros?

-Sim e não. Que dizes da astúcia e do roubo?

812 - Se a igualdade das riquezas não é possível, acontece o mesmo com o bem-estar?

- Não, mas o bem-estar é relativo e cada um poderia goza-lo, se todos se entendessem bem....

Já na questão 719, se diz que o bem-estar é um desejo natural. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação, e não considera um crime a procura do bem-estar, se este não for conquistado às expensas de alguém, e se não enfraquecer vossas força morais, nem as vossas forças físicas.

Se o indivíduo é sempre culpado pela suas ações, há atenuantes que passam a ser responsabilidade coletiva. A política social do Espiritismo é bem clara.

Em resumo, o Espiritismo não sancionará a injustiça social, a pretexto de estar sendo cumprida a lei de ação e reação, porque o indivíduo não é um ser isolado mas pertencente à sociedade. Mas não pode concordar com a pré-inocência ou não-culpa dos agentes individuais na prática da violência, em qualquer sentido ou nível.