Da Redação - Setembro de 2000

Fato & Comentário

Gelo no Ecumenismo

A Igreja Católica é a única religião cristã verdadeira. A afirmação do cardeal Ratzinger, diretor do Santo Ofício, defensor da doutrina cristã ou católica, como gostam os que pretendem separar o cristianismo da Igreja, caiu como um balde água gelada nos esforços do ecumenismo cristão.
Nos últimos anos, as igrejas cristãs - luterana, protestante, católica - desenvolveram esforços de entendimentos solidário, Mas o chefe do Santo Ofício, avisa que o Vaticano se considera o legítimo sucessor de Jesus Cristo, verdadeira igreja cristã. As demais igrejas cristãs ,portanto, seriam ilegítimas e deveriam, no pensamento da Igreja, considerar o papa como seu líder natural.
O caso mostra que as denominações religiosas jamais se renderão a um denominador comum. Dadas as circunstâncias, elas se toleram, chegam a um nível de solidariedade externa., social, beneficente e até política, mas permanecem imutáveis em seus princípios e na sua posição de poder.
Os espíritas-cristãos, evangélicos e roustainguistas, consideram o Espiritismo uma religião cristã, mas as igrejas cristãs rejeitam essa pretensão, pois para elas o Espiritismo não é cristão.
Caso fossem aceitos, os espíritas religiosos não teriam muita dificuldade em seguir o ideário da Igreja, dada a grande semelhança de seus conceitos com os defendidos pelo cardeal Ratzinger e pelo papa, aliás, considerado pela doutrina roustainguista como o pacificador do futuro.

SEMANA DE ANIVERSÁRIO DO
CENTRO ESPÍRITA ALLAN KARDEC - CEAK - 56 ANOS


Sob o lema ATUALIZAR: Como queria Kardec" o Centro Espírita Allan Kardec (rua Rio de Janeiro, 31- Santos, promoveu de 28 de agosto a 2 de setembro último, uma semana de palestras de grande repercussão na comunidade do Centro.
No dia 28, o engenheiro Reinaldo di Lucia desenvolveu o tema Espiritismo, Revelação ou Descoberta?, acabando por afirmar que a doutrina era uma "descoberta", visto sob o prisma científico.
No dia 29, o jornalista e publicitário, Wilson Garcia desenvolveu o assunto Um Espiritismo para novos espíritas, com interessantes informações sobre o movimento doutrinária em geral, ressaltando o papel dos centros espíritas.
O psicólogo Jaci Regis, no dia 30, discorreu sobre Dificuldades para mudar analisando o perfil psicológico que Allan Kardec estabeleceu para que o adepto do Espiritismo possa Ter disponibilidade para atualizar-se.
Na Quinta feira, dia 31, o medico Ademar Arthur Chioro dos Reis, abordou COMO? Uma proposta metodológica de atualização do Espiritismo., apresentando um método para que a atualização dos assuntos seja feita de maneira ordenada e coordenada.
Dia 1º de setembro, que marcou a passagem do aniversário do Centro , houve uma "mesa redonda" com Reinaldo di Lucia, Jaci Regis e Ademar A. C.Reis.
Finalmente no dia 2, Sábado, o advogado e vice-presidente da CEPA, Milton Rubens Medran Moreira, abordou o tema CEPA, um processo em construção
Deve ser destacado o papel do Coral "Ceak Canta", sob a direção de Sandra Regis e várias apresentações artísticas que antecederam as palestras. No dia 1º de setembro, houve bolo e parabéns pelo aniversário do CEAK e no Domingo almoço de confraternização.

20 ANOS DO CENTRO BARCELONÊS

Fundado em 28 de junho de 1980 o Centro Barcelonês de Cultura Espírita, comemora seus vinte anos de vida, ao mesmo tempo que também vê passar 19 anos da publicação de seu boletim Flama Espírita.
Dirigido por Josep Casanovas Llardent, David Santamaria e Pura Angelich, o CEBCE e a Flama Espírita se constituem no baluarte do Espiritismo mais kardecista e progressista da Espanha.
Embora com poucos recursos, o CBCE tem uma história de resistência e de promoção doutrinária .
Em 28 de maio de 1977, antes mesmo de sua criação oficial, o CBCE foi pioneiro, pois nesse dia, foi realizado o primeiro ato público espírita em Barcelona, com conferência de Divaldo pereira Franco, diante de mais de 200 pessoas..
É nos grato salientar com nosso companheiro Ciro Pirondi, morando em Barcelona, participou do CBCE, tendo sido o autor do logotipo do Boletim Flama Espírita.
Desde muitos anos temos mantido laços de grande amizade e admiração por Casavas, Santamaria e Pura. O primeiro encontramos em Caracas durante o Congresso da CEPA e os dois últimos tivemos oportunidade de recebê-los aqui em Santos.

Cartas Abertas

Esclarecimento

Como seu assinante e leitor assíduo, a mais de uma década, venho informar à esta redação, que foi passada uma informação sem a devida correção.
No Abertura Ano XIII n. 150 de julho de 2000: A redação informou que dirigentes da USE local, acreditam que Chico Xavier é Allan Kardec reencarnado. Baseado na reportagem de 8 de julho de 2000 no jornal A Tribuna.
Quero informar que: Fomos na redação para falar " de um ser especial pela sua personalidade elevada e pelos serviços que prestou e continua prestando à humanidade, através de seu mediunato".
De um homem que " jamais será esquecido, abandonado nos corações de quantos se beneficiaram pela sua obra e pela sua vida. A história registrará sua personalidade como um exemplo raro de elevação, humildade e desprendimento. E o Espiritismo deverá a ele uma grande folha de benefícios".
Para nossa surpresa, o que falamos foi mal compactado. Pôr um bom profissional, mas sem conhecimento doutrinário.
Foi feito uma correspondência em 10 de julho, para corrigir o erro, e publicado na tribuna do leitor em 16 de julho. Correção esta que presumo que a Redação do Abertura não tenha lido, e pôr esse motivo, passou uma informação aos seus leitores totalmente errada, e sem o menor fundamento.
Para elucidar de maneira clara e objetiva, nós da USE LOCAL não acreditamos que Chico Xavier seja Allan Kardec reencarnado.
Nós da USE LOCAL não esperamos que seja retificada a sua desinformação, mesmo porque, pode acontecer que quem leu a primeira não venha ler a correção, como eu presumo que tenha ocorrido com a Redação.
Nós, da USE LOCAL agradecemos.
cordialmente
Juvenal Rodrigues Neto
Vice Presidente da USE Intermunicipal de Santos Bertioga Guarujá e Cubatão.


Retificação

Na matéria por mim assinada na edição de agosto último "Jon Aizpurua - um espírita de nosso tempo",
equivocadamente constou como local de nascimento daquele líder espírita venezuelano a cidade de Valencia, quando o mesmo nasceu em Caracas.
Agradeceria a publicação desta retificação, especialmente em respeito àqueles leitores que, eventualmente, buscarem naquela matéria dados de pesquisa sobre a vida e obra daquela personalidade.
Milton R.Medran Moreira - Porto Alegre, RS.

Ecumenismo Espírita

No discurso que proferiu no dia 2 de setembro, quando do encerramento da semana de aniversário do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, o vice-presidente da CEPA, Milton Rubens Medran Moreira, afirmou ser possível uma espécie de "ecumenismo espírita". Ou seja, já que, de modo nominal, todos os espíritas, evangélicos, cristãos , roustainguistas, kardecistas aceitam princípios comuns, poderiam criar um clima de convivência, respeitando suas diferenças.
Embora generosa, a proposta de Medran precisa ser melhor ponderada pelos espíritas kardecistas. Considerando que esse núcleo de espíritas se constitui de uma minoria bastante caracterizada pelos conceitos e pela dinâmica de suas posições, precisa manter-se imune ao envolvimento precoce de tentadoras possibilidades de conciliação.
Afinal, porque precisamos desse ecumenismo?
Temos procurado dar ao entendimentos dos princípios que Allan Kardec estabeleceu para a sua doutrina, um enfoque progressista, aberto, descompromissado com sistemas, cultos, rituais e mesmo, porque não dizer, com problemas de poder.
Para que a nossa marcha, ainda incipiente não se conturbe, dadas as nuanças conceituais, é preciso manter-nos coerentes e persistentes, semeando antes de colher.
Como afirmou o fundador e elaborador da doutrina, se estivermos com a razão, continuaremos. Caso contrário pereceremos. Mas é necessário ter consciência de nosso papel, evitando precipitas ligações, pactos ou participar de eventos ou reuniões em que, no fim, prevalecerão a vontade da maioria.
Nesse sentido, somos contra essa "conciliação", da mesma forma que somos contra qualquer retaliação.
Escolhemos um caminho, cumpre-nos segui-lo

A CEPA não é um Movimento Paralelo

Durante sua vinda a Santos, para participar como expositor da semana comemorativa dos 56 anos do Centro Espírita Allan Kardec (CEAK), o vice-presidente da Confederação Espírita Pan-americana (CEPA), Milton Rubens Medran Moreira, concedeu entrevista ao Abertura, onde fala sobre a descoberta do Espiritismo, o movimento espírita gaúcho e a CEPA. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Abertura - Qual sua idade e há quanto tempo é espírita?

Milton Rubens Medran Moreira - Tenho 59 anos. Eu sou espírita há aproximadamente 20 anos.

Abertura - Antes de ser espírita era o quê?

Milton - Tive formação católica, fui seminarista dos 9 aos 15 anos.

Abertura - Você queria ser padre mesmo?

Milton - Eu queria ser padre, capuchinho. Mas com 15 anos de idade me decepcionei com a proposta católica.

Abertura - Por que se decepcionou com o catolicismo?

Milton - Em tudo, e principalmente a hipocrisia que se vê dentro de um seminário, dentro de um convento de frades. E isso me fez, durante algum tempo, durante a mocidade, recusar qualquer proposta metafísica, qualquer visão espiritualista. De católico, me tornei materialista

Abertura - E o contato com o Espiritismo, como foi?

Milton - Surgiu de um fato corriqueiro. Anos depois, já formado em Direito, começando no trabalho de advocacia, já com trinta e poucos anos de idade, fui procurado por uma cliente e, não sei por que, ela começou a falar de Espiritismo e eu me interessei por aquilo. Comecei a perguntar a ela sobre Espiritismo. E vendo meu interesse me presenteou com o Evangelho Segundo o Espiritismo, com uma dedicatória que eu guardo até hoje. Mas ela se enganou. Ela pretendia me dar o livro O Céu e o Inferno, pois ela entendia que eu, como advogado, poderia chegar ao pensamento espírita através daquele livro que trata da justiça divina, segundo o Espiritismo. Mas não sei por que ela fez a dedicatória dizendo que se tratava do livro O Céu e o Inferno mas me deu efetivamente o livro O Evangelho Segundo o Espiritismo. O nome dela era Clementina Benson. Eu nunca mais a vi e certamente ela está desencarnada agora.

Abertura - Gostou do livro?

Milton - Sim, achei questões interessantes ali. A partir disso, busquei o livro indicado como obra principal de Allan Kardec, O Livro dos Espíritos. Me interessei pela idéia mas durante alguns anos fiquei apenas lendo. Li toda a obra de Kardec e comecei a ler toda a literatura espírita que me surgia nas mãos. Nessa época já era promotor de justiça no interior. Não frequentei nenhum centro espírita.

Abertura - Em que ano foi?

Milton - Esse episódio, dessa senhora, foi em 1974. Eu havia me formado em Direito recentemente. Depois me tornei promotor de justiça e sempre me inteirando de leituras espíritas, mas sem aderir à Doutrina. Só no ano de 1980, já na cidade de Bagé (RS), eu fui convidado por alguns companheiros para ir a um centro espírita. Nessa época eu era maçon.

Abertura - Era? Agora não é mais maçon?

Milton - Dizem que o maçon nunca deixa de sê-lo, ele apenas fica adormecido. Eu admiro muito a proposta da maçonaria, mas não me seduzem mais os símbolos maçônicos, pois ela subsiste exatamente pelos seus símbolos. E a sua simbologia é tão forte que ela termina obscurecendo a idéia que deu origem ao símbolo e se pratica quase que exclusivamente a liturgia, o símbolo pelo símbolo. Apesar de respeitável ela se tornou um clube de serviços, um clube de amigos onde se pratica a fraternidade, mas o meu ideal de serviço eu fui encontrar anos depois no Espiritismo.

Abertura - Mas como foi seu ingresso nas fileiras espíritas?

Milton - Alguns companheiros me convidaram para participar de algumas reuniões de estudo. Na época começava o que veio a se chamar depois de Campanha do Estudo Sistematizado do Espiritismo, encampada posteriormente pela FEB e inicialmente elaborada pelo Salomão Benchaya e o Maurice Herbert Jones. Isso foi em 1980. Havia a Cruzada dos Militares Espíritas e me convidaram para coordenar um grupo de estudo. E eu ainda não era assumidamente espírita. Fui pra lá e comecei a coordenar o estudo sem jamais ter entrado em uma casa espírita. Em seguida eu fui promovido para a comarca de Porto Alegre e lá eu resolvi aderir formalmente ao Espiritismo. E procurei a Federação Espírita do Rio Grande Sul, onde estavam o Salomão e o Jones.

Abertura - Que "sorte"!

Milton - Passei a frequentar a Sociedade Espírita Luz e Caridade, hoje Centro Cultural Espírita de Porto Alegre e a atuar na FERGS.

Abertura - Foi nesse período que a FERGS começou a questionar o caráter religioso do Espiritismo através da então excelente revista Reencarnação. Como foi isso?

Milton - Assumi a direção da revista e passamos a discutir o caráter do Espiritismo. Lançamos três números seguidos, o primeiro debatendo a questão da ciência espírita, o segundo o caráter filosófico e a terceira, com o instigante título Espiritismo, ciência, filosofia e até que ponto, religião? O curioso é que nessa época estávamos todos em cima do muro. Em Santos a coisa fervia. O Espiritismo e Unificação já defendia a tese de que o Espiritismo não é religião, propunha a espiritização em substituição à evangelizaçào. Mas nós, enquanto dirigentes da federação, tínhamos que administrar aquilo. Eu pessoalmente recusei a idéia e até escrevi um artigo questionando o assunto, onde eu dizia que era, mas não é, que talvez fosse ou não fosse ...

Abertura - O Maurice Herbert Jones também estava "em cima do muro"?

Milton - Ele fez um trabalho de pesquisa bibliográfica, uma busca na obra de Kardec sobre o tema, sem emitir uma opinião, ano por ano, em toda sua obra. Nesse momento o Jones estava mudando, a partir desse trabalho, inclusive em textos de Bezerra, quando ele fala que é preciso kardequizar. Ele próprio se surpreende, mesmo diante do dogma de que Kardec teria dito que o Espiritismo é ciência, filosofia e religião, que não se encontrava em lugar nenhum na sua obra. E era uma concepção tão forte que todo mundo achava que Kardec havia dito isso.

Abertura - E isso acabou criando um problema na FERGS.

Milton - Sim, criou-se um problema terrível. Ainda me lembro que, e isso foi marcante para mim, numa reunião do Conselho Federativo Nacional, regional sul, em Curitiba-PR, o então presidente Francisco Thiesen questiona o Salomão, presidente da FERGS: "a federativa do Rio Grande do Sul está questionando o aspecto religioso do Espiritismo?". E Salomão responde: "Estamos apenas colocando essa questão em debate no movimento espírita gaúcho". E Thiesen diz assim: "mas não cabe a uma federativa colocar questões em debate. O trabalho de uma federativa é o de orientar e não o de suscitar debates e polêmicas. Vocês devem rever essa posição". A partir daí, com essa posição da FEB e do CFN, o movimento espírita conservador, já devidamente alertado pela FEB, passa a ver os dirigentes da FERGS com muita cautela, com muita desconfiança.

Abertura - E como foi a sucessão na FERGS. Você foi candidato a presidente. E daí?

Milton - O Salomão não poderia mais concorrer e eu fui indicado.

Abertura - Você concorreu com o Burmeister. Ele já havia sido presidente. Como foi?

Milton - O Hélio (Burmester) já havia feito uma gestão muito eficiente sob o ponto de vista administrativo e organizacional. Mas, nesse momento, todo o movimento espírita mais conservador organiza um trabalho de oposição à nossa candidatura e busca, inclusive, setores que estavam muito afastados para colher votos e reforçar a sua posição.

Abertura - A derrota era então eminente, como foi em São Paulo, na USE.

Milton - Eles ganharam a eleição com muita facilidade.

Abertura - Isso ocorreu em outras regiões, onde os focos de renovação foram abafados e alijados do processo. Hoje, você acha que a Confederação Espírita Pan-americana (CEPA) se constitui num novo espaço de atuação?

Milton - Eu creio que sim. Vejo a CEPA hoje como a única instituição genuinamente kardecista, de âmbito confederativo, no mundo.

Abertura - Esses conflitos que ocorreram em meados da década de 80 até o seu final e que hoje, aparentemente se repetem, você acredita que os resultados sejam semelhantes. Ou o momento é outro?

Milton - É claro que o momento é outro, pois a partir de então essas idéias cresceram, ganharam espaço, tanto que, sem aquele momento da década de 80, a CEPA não teria o menor ambiente para entrar no Brasil. Aquela circular emitida pelo Jon Aizpúrua em 1994, convidando as instituições e espíritas que tivessem uma visão semelhante à da CEPA, que se congregassem e se filiassem, não seria possível.

Abertura - A FEB reagiu de forma bem contundente àquela circular.

Milton - É, a reação da FEB foi enérgica, através de um editorial na revista Reformador, com o título de O Joio e o Trigo.

Abertura - O joio a gente sabe quem é, não precisa dizer (risos).

Milton - A FEB sustentou nesse editorial que estava havendo uma intromissão indevida de uma instituição que não tinha tradição, não tinha história no movimento espírita brasileiro.

Abertura - A FEB parece que se esqueceu do Deolindo Amorim, do II Congresso da CEPA realizado no Brasil em 1949. Bem, após o conflito dos anos 80, os chamados não-religiosos foram buscar outros espaços de atuação, como a formação de grupos de estudos, de pesquisa, com a reformulação conceitual e formal dos centros espíritas, com a construção de um espaço alternativo de atuação. Um exemplo é o caso de vocês, que mudaram o nome para Centro Cultural Espírita de Porto Alegre. O rumo que esse segmento tomou foi um rumo alternativo, informal e sem nenhum tipo de institucionalização. Já a CEPA não é alternativa. É uma instituição espírita de caráter intercontinental. Você não acha que essa retomada do caminho institucional, da ocupação de espaços políticos, não é uma "barca furada"?

Milton - Não. Eu acho que é um caminho necessário. É preciso que haja minimamente um apoio institucional para isto. É verdade que a maioria dos espíritas que se afeiçoam à proposta da CEPA estão, de certa forma, cansados das instituições espíritas. São espíritos que cultivam a liberdade, o livre-pensamento e de uma certa maneira se sentem demasiadamente presos quando precisam formalizar qualquer instituição. Eu estou observando que entre os companheiros e as instituições que aderiram à CEPA a partir de 1994, há hoje muito bem amadurecida essa idéia de que é preciso haver um mínimo de institucionalização, por que sem isso nos não conseguiremos avançar na proposta dessa idéia libertadora, de livre-pensamento, de livre exame, nessa visão que tem sido chamada de laica.

Abertura - E você acha que a CEPA contempla essa visão.

Milton - Perfeitamente.

Abertura - Todas as instituições a ela filiadas compartilham dessa visão? Salvo engano, até um certo tempo se tolerava o estudo daquele livro A Vida de Jesus Ditada por Ele Mesmo, o Trincadismo, a influência do pensamento de Pietro Ubaldi e de concepções mais próximas da parapsicologia do que do Espiritismo, como vemos na Argentina. Veja, no meio desse processo, saiu-se de um caminho, que era institucional, para um campo informal e alternativo e, agora, retoma-se o caminho institucional numa confederação que possui essas e muitas outras contradições. Será que vale a pena?

Milton - A meu ver, essas contradições hoje estão quase que totalmente minimizadas. Temos que ver que a administração que fez Jon Aizpúrua na CEPA foi muito clara, sem misticismos, livre-pensadora, laica. E a situação da Venezuela, onde eu conheço melhor, isso está muito bem definido. Na Colômbia também.

Abertura - Na Colômbia, a federação de lá se desfiliou da CEPA.

Milton - Mas há instituições que são adesas e filiadas, que compartilham do pensamento da confederação. E me parece que o seu futuro está muito bem definido e orientado no sentido de ser a instituição mais genuinamente kardecista do planeta. E curiosamente está atraindo instituições da Europa que têm esse mesmo perfil.

Abertura - Tem até grupos da Austrália.

Milton - Há uma instituição australiana que se filia a essa linha de pensamento e mandará representantes para o próximo congresso da CEPA. É evidente que a história de todas as instituições passa por momentos de alguma indefinição. Mas hoje me parece que não cabem mais indefinições dentro da confederação.

Abertura - A USE convidou diversas entidades e instituições como a Concafras (Confraternização Nacional das Campanhas de Fraternidade Auta de Souza) a Associação dos Psicólogos Espíritas, a Aliança Evangélica e dentre essas e outras instituições, a CEPA. Foi um convite formal. O que significa para você essa iniciativa da USE?

Milton - Para mim significa que toda instituição espírita que quiser dialogar com a CEPA, ela estará aberta para o diálogo. Temos o nosso próprio perfil ideológico. Não vamos fazer concessões, não vamos nos afastar da nossa linha, mas entendemos que existe uma base fundamental do pensamento espírita que pode ser compartilhada entre as diversas instituições, cada uma mantendo o seu perfil, a sua linha de atuação. Acho que há espaço para o diálogo, principalmente com uma instituição da respeitabilidade da USE, da AME-SP. Mesmo que não compartilhem inteiramente dos posicionamentos da CEPA, guardam os princípios básicos do Espiritismo. Acho que há muito espaço para o diálogo e o trabalho conjunto com instituições que mantenham esse perfil.

Abertura - A CEPA é um movimento paralelo?

Milton - Isso depende da ótica de quem está analisando. No Sul somos considerados um movimento paralelo. Mas se nós formos ver a história da CEPA, veremos que ela foi destinada a congregar os espíritas das Américas, a única com esse objetivo, e portanto não se constitui num movimento paralelo. Ela preexiste ao Conselho Federativo Nacional da FEB e ao Conselho Espírita Internacional.

Abertura - Você é otimista em relação ao futuro do Espiritismo?

Milton - Sim, sou otimista. Creio que o Espiritismo Kardecista é uma caminhada que foi dificultada por essa demora nesse momento religioso. Gosto muito de citar aquele artigo do Kardec na Revista Espírita (1863), quando ele classifica o desenvolvimento das idéias espíritas em seis períodos. O primeiro foi o da Curiosidade, o Filosófico, o segundo e o terceiro, o Período de Luta, que Kardec viveu. Depois teríamos o Período Religioso. Segundo ele, esse período seria superado ainda no início do século 20, dando lugar inicialmente a um período que denominou Intermediário, para depois surgir o último período, o de Influência Sobre a Ordem Social.

Essa caminhada foi autoritariamente brecada. Hoje parece que estamos vivenciando um momento que se enquadraria nesse Período Intermediário. Precisamos romper a parede que o movimento criou para impedir o desenvolvimento das idéias. Sou muito otimista com relação ao progresso de um Espiritismo dinâmico e livre-pensador.

Abertura - Em sua palestra, no CEAK, você lançou a proposta de um ecumenismo espírita. O que é isso, explique melhor.

Milton - Não é exatamente um ecumenismo espírita. Eu estou propondo que aquilo que ocorreu no ecumenismo cristão seja transposto para o movimento espírita. O que foi o ecumenismo cristão? Depois de tantos séculos de conflitos, no século 20 os cristãos concluíram que havia uma base comum de sustentação da sua doutrina e que não cabia mais ficarem uns dizendo que os outros não eram cristãos. E procuraram, através disso, as bases fundamentais para se definir o que é ser cristão. Eles conseguiram definir isso, construir uma base de trabalho comum e deu certo. Trata-se de um movimento respeitadíssimo no mundo tudo. Eu diria que é um dos movimentos mais importantes deste século.

Abertura - Você acha então que os espíritas podem chegar a um consenso quanto ao que é ser espirita?

Milton - No famoso Discurso de Abertura, Kardec estabeleceu o Credo Espírita, e em algumas linhas define o que é ser espírita, a partir dos princípios básicos do Espiritismo. Ele admitiu que o movimento espírita poderia ater feições diferenciadas em diversas partes do mundo. Me parece que, sem nos preocuparmos com o purismo doutrinário, caberia fazer algum esforço nesse sentido. Seria um Espiritismo mínimo, para que, a partir de bases mínimas, possamos estabelecer critérios de respeito e de convivência. Creio que vale a pena fazer isso.