Artigo de Eneida Barreto Pereira - Santos - Setembro de 2000

Política e Espiritismo, pode ?

Desde a infância, ouço o comentário de que política e religião não se deve discutir. E política e Espiritismo, pode? Alguns talvez ressaltem a distinção entre objetivos e procedimentos de ambas as teorias, principalmente pelo fato de que o Espiritismo não tem nada a haver com política, certo? Errado. Espiritismo tem tudo a haver com tudo o que diz respeito a nossos atos cotidianos, afinal, a doutrina espírita somos nós.

Algumas considerações vieram-me à mente (sem a menor pretensão de uma profunda análise),quando relia antigo texto sobre liberdade e, mais uma vez, ratificava o quanto também a Doutrina nos desafia a direcionar nossas ações com liberdade e, claro, responsabilidade.

Novos tempos. Novas eleições (novas?). Estarão nossos políticos realmente imbuídos dos mínimos atributos necessários para representar um segmento da sociedade? Estaremos todos realmente imbuídos da maior consciência para legitimar nas urnas nossos representantes? De novo, os preceitos doutrinários a nos colocar em xeque-mate, reforçando como respondemos pela conseqüência de ações que nos atinjam de forma particular e também aos nossos semelhantes, em comunidade. Elaborado depois de um doloroso e arrastado processo político que cerceou totalmente nossa liberdade de expressão e de ação, oprimindo, torturando e matando, o texto fez lembrar do tempo em que profissionais indignados, cercados nas redações vigiadas, preenchiam páginas de jornais com receitas culinárias em lugar de matérias censuradas, como forma de demonstrar desprezo pelo regime arbitrário. Havia insegurança, medo. Perplexidade. Mas havia também coragem, solidariedade, esperança de mudanças. Por conta dessa posterior transformação, é que a Confederação das Associações Comerciais do Brasil fez circular em revistas da época o seguinte:

LIBERDADE - do latim libertas, atis.

LIVRE - que pode dispor de sua pessoa, que não está sujeito a nenhum senhor.

Liberdade para compor harmonicamente o tecido da sociedade.

Liberdade para criar e dar espaço ao homem de dirigir sua história.

Liberdade de permitir a pluralidade e que através dela as diferenças surjam sem medo nem restrições, em oportunidades semelhantes.

Liberdade para redesenhar o perfil de um povo.

Liberdade para somar esforços e, num movimento uníssono, criar as raízes de um governo realmente voltado às várias camadas que compõem a nação.

Liberdade para ser responsável não só por si, mas pelo que acontece ao outro, espelho de sua humanidade

Liberdade para abrir espaço,deixar surgir o ser, desocultar a verdade,criar condições para que a essência do homem venha à tona e seja a seiva germinadora de

de uma sociedade em que a exploração do homem pelo homem seja coisa do passado e a participação seja a palavra de ordem do futuro.

Para sempre.

O documento, visando, entre outros objetivos, a estimular a participação do empresariado e a destacar a importância das eleições, mantém-se ainda atual. Não há de ser cara ou coroa. O que quer que aconteça há de vir de nossa livre iniciativa, de nossa vontade de transformar para melhorar. Da mesma forma como nos alertou Kardec.

O mundo, hoje, é cenário de profundas desigualdades sociais. E no Brasil, acentuam-se estatísticas apontando qualidade de vida subumana, falsos projetos nas áreas de educação, moradia, saúde, etc, etc...Tudo a esperar, certamente, por novas medidas jurídicas e sociais que possibilitem uma vida mais digna para todos. Entretanto, não bastam leis. Com elas, ao lado delas, caminham os cidadãos. Aproxima-se nova oportunidade de mudança. E outra vez, a alavanca da Doutrina a nos impulsionar a fazê-lo, conscientemente. Jon Aizpúrua, presidente da Cepa, em recente palestra na cidade, lembrava da necessidade de nosso esforço em superarmo-nos, dia a dia, para obter um mundo melhor. "Construir hoje, para usufruir amanhã".

Como Espíritos mutantes que somos, nos é dada liberdade de escolha. A liberdade de podermos escrever nossa história. Então, que o façamos. Tentemos modificar comportamentos reforçar a ética, ampliar idéias, abrir a mente para um novo tempo, mudar conceitos em nosso benefício. Querer permanecer apenas com os mesmos antigos valores, com as mesmas antigas combinações, ainda que por interesse, é não admitir que a vida, continuando, se transforma e nos transforma todos os dias. É castrar-se. Desvalorizar-se, muitas vezes. É pretender parar alguma coisa muito especial que jamais poderá ser estagnada: a própria vida. Vida, aliás, que nos é dada como oportunidade diária. Brindemos a ela.

Eneida Barreto Pereira é jornalista e integrante do Centro Espírita Missionários da Luz, de Santos-SP.