Artigo de Jaci Régis - Outubro de 2000

Ao Pé do Ouvido

Estávamos no fim do Congresso da CEPA. Sessão de encerramento. Discursos de despedidas. Os quase quatrocentos participantes trocavam abraços, endereços, tiravam fotos para lembrar velhos amigos e amigos novos.

Era um tumulto gostoso, desses que deixam no ar uma saturação de emoções.

Durante alguns dias revimos pessoas queridas, encontramos novas amizades, de países e lugares diversos.

Sorrisos, abraços.

Krishnamurti, apesar de seus problemas de saúde, apresentou-se com sua lucidez de pensamento.

Salomão Benchaya, o herói do Congresso, presidente que foi da Comissão Organizadora, tinha vencido. O plenário aplaudiu-o de pé. Esteve a seu cargo organizar, manter contatos, sofrer pressões, arrecadar fundos, criar a equipe que com ele dividiu, o pesado ônus de um evento internacional.

Salomão veio até mim, no salão quase deserto e disse-me: "sem você não haveria CEPA no Brasil e não teríamos este Congresso".

Foi surpresa e vi-me tomado de emoção. Não respondi. Nem comentei. Apenas abracei-o, comovido.

Antes, muitos vieram ao pé de ouvido dizer-me coisas agradáveis.

Conceição, o esfuziante pelotense, com seu jeito especial, disse-me "esses rapazes são todos "filhos" do Jaci. Eu acabo de dizer ao Mauro, mas ele não disse que não, que não era bem assim. Mas, continuou Conceição, disse-lhe "vocês têm que assumir que são "filhos" do Jaci. Quem o conhece sabe de seu forte e peremptório falar. Mas eu já tinha lhe interrompido ao início: não diga isso que eles não gostam...

Uma outra pessoa, de passagem, em meio ao vai-e-vem do término de uma sessão, falou-me junto ao ouvido: "60% do que eles falam, vem de ti...

É que o pessoal mais jovem, na faixa entre 30 e 50 anos realmente brilhou no Congresso. Uma nova mentalidade, um novo estilo, constratando com os eventos anteriores, mais ou menos retóricos.

Agora, eles vieram com todo o vigor de novas idéias.

Isso entusiasmou o plenário que os aplaudiu e alguns, como o Ademar, de pé e até, como nos festivais, com assobios e gritos.

Disse ao Jon Aizpurua que seu maior mérito, entre tantos, foi introduzir a CEPA no Brasil. Para isso, encontrou aqui grupos de Santos, São Paulo e Porto Alegre, principalmente, que tiveram uma atuação destacada no movimento espírita até a década dos 80, quando houve sua exclusão.

Modéstia à parte, esses grupos são constituídos de pessoas não apenas capazes, intelectualmente preparadas, mas cheias de entusiasmo, não importando aí a idade cronológica.

Estavam sem uma ação determinada, embora o Ademar tenha reiterado o papel do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita , como reduto primeiro e de referência básica de aglutinação desses espíritas paulistas e gaúchos. A CEPA, sob a influência carismática e graças à dedicação de Aizpurua, deu a eles um novo sentido para seus esforços.

Esbanjaram a eficiência de suas propostas e de seus estudos.

Passado algum tempo, como se diz "caiu a ficha" e senti-me um tanto estranho.

Afinal, por que o recado de Benchaya tinha sido dado ao pé do ouvido?

Gostaria, pensei, que fosse dado ao público, de viva e alta voz... Esse o meu sentimento então. E ocorreu-me, seria vaidade? Ou a necessidade de ouvir o reconhecimento externo, como lenitivo para as agruras internas?

Salomão balançou meu coreto.

São mais de 51 anos de diária participação doutrinária. E nos últimos trinta anos um luta árdua, muitas vezes solitária. Idéias, conflitos.

Logo após minha participação com o trabalho Dinâmica das Estruturas Mentais na Atualização do Espiritismo, veio logo um simpático bilhete de Maurice Herbert Jones, o venerado presidente do CCEPA, parabenizando-me. Várias vezes conversamos em rápidos momentos e reconhecemos a grande identidade de nossas idéias. Jones, confessava, quando conversávamos com mais uma outra pessoa, que "o Jaci, com seu jeito de dizer abertamente as coisas...." encontra reações, mesmo nos círculos mais afins.

E assim, pago pelo passado e pelo futuro.

Jon Aizpurua me convida para um cafezinho e ficamos alguns bons minutos sozinhos, conversando, trocando idéias e identidades. Ele sabe que o admiro e ele explicitamente testemunha, desde há muito, sua atenção por mim. Traduziu dois livros meus para o espanhol e avisa que A Delicada Questão do Sexo e do Amor, está na fila para ser editado na língua de Cervantes, na ascendente editora CIMA, que ele fundou na Venezuela e que já editou, em poucos anos, 60 títulos. E convida para o lançamento do livro em Caracas.

Milton Felipelli me olha com seu olhar profundo e diz com inflexão "gostei muito de suas palavras...

Amigos e amigas de ontem e de agora me procuram para tirar fotos comigo.

Mas meus livros não chegaram e os que pretendiam comprá-los não puderam e eu que tinha preparado um lindo pôster para promovê-los, tive que mantê-lo no grande canudo que o Jailson, gentilmente, levou quando fomos e que eu tive de trazê-lo na volta, sem poder exibi-lo.

O Congresso chega a seu fim.

Brevemente o grande salão ficará vazio e silente. As salas onde cada um procurou transmitir o melhor que pode, nos limitados minutos disponíveis, suas idéias, seus temas, muitas vezes longamente preparados, a ouvidos interessados ou mentes despreparadas, serão fechadas. As luzes apagadas.

Logo, cada um voltará para suas casas, na própria Porto Alegre, em outros países, em outros Estados.

Em cada mente, continuarão ecoando fatos, imagens, conversas, palestras, idéias novas e velhas.

Já no avião, olho pela janela e vejo a cidade desaparecendo, embaixo de nuvens que parecem correr apressadas. O piloto avisa que estamos a 8 mil metros do nível do mar.

Lá embaixo a vida prossegue e em breve, voltaremos aos nossos afazeres e à rotina de nossas vidas.

Mas nada será igual.

Agora, no meu carro, sozinho, vou indo para casa. As paisagens conhecidas penetram espontaneamente na minha mente. A família me espera.

Volto ao salão quase vazio, ouço novamente as palavras de Salomão Benchaya , bem junto aos meus ouvidos, mas olhando-me nos olhos.

O tempo volta e vem.

E me pergunto, por que somente ao pé do ouvido?