Artigo de Milton Medran Moreira - Março de 2000

Opinião em Tópicos

Do Lado de Fora

Um inusitado protesto anti-roustainguista foi promovido ano passado, por ocasião do 1º Congresso Espírita Brasileiro, realizado em Goiás. Gélio Lacerda da Silva, conhecido e ardoroso opositor da doutrina defendida pela FEB, contratou jovens para distribuir panfletos, vestindo camisetas especialmente confeccionadas para a ocasião, com mensagens anti-roustainguistas e afixou faixas na frente do local onde se realizava o evento, com dizeres tais como: “É um contra-senso a FEB liderar o movimento espírita brasileiro e atropelar Kardec com seu pseudo-espiritismo roustainguista”. Um protesto feito ao melhor estilo dos movimentos políticos modernos, mas que padeceu de um vício do qual o movimento espírita brasileiro precisa se libertar: o autor do protesto não se inscreveu no Congresso, dele não participou e, assim, perdeu a oportunidade de discutir suas propostas naquele mesmo evento e de expô-las a um público que, segundo ele próprio, reuniu aproximadamente 2.500 pessoas. Foi ao Congresso, mas ficou do lado de fora, deixando lá seu protesto que, provavelmente, tenha produzido efeitos mais no exterior do que no interior do congresso.

Idéias Diferentes

Bem, provavelmente se dirá que uma tese anti-roustainguista não teria sido pré-selecionada num Congresso promovido pela FEB. E, se isso é verdade, estamos diante do problema mais crucial do nosso movimento: sua incapacidade de enfrentar as próprias divergências internas, precisamente no fórum eleito por Kardec como o competente para essas discussões. Congressos espíritas não são, ou não deveriam ser, torneios de oratória, repetições sistemáticas de conceitos surrados ou meras festas de confraternização. São, isto sim, o instrumento mais apropriado à discussão de idéias e à renovação das mesmas, a partir dos postulados básicos do Espiritismo. Particularmente, parecer-me-ia extremamente enfadonho um congresso onde todos pensassem do mesmo jeito e defendessem exatamente as mesmas teses. Penso que é da essência de um congresso o pressuposto de que seus participantes têm idéias e propostas diferentes. Assim como é absolutamente necessário que o movimento espírita entenda e aceite que, os espíritas, temos idéias e concepções diferentes, embora sejamos todos espíritas e concordemos naquilo que é fundamental.

Liberdade

A Igreja não faz congressos. Faz concílios. Ali, cardeais, iluminados pelo Espírito Santo, elegem seu chefe que será infalível e que poderá interpretar seus dogmas em instância única e irrecorrível, assim como criar novos artigos de fé, que, por sua vez, serão indiscutivelmente verdadeiros, porque, enfim, têm o selo do Espírito Santo (qualquer semelhança com determinadas manifestações que falam sistematicamente em revelações do “Alto” ou dos “Espíritos Superiores” não há de ser mera coincidência). Entretanto, se uma instituição espírita, mesmo agregando à doutrina de Kardec componentes que com ela não fecham integralmente, teve a competência de organizar e, à sua maneira, congregar a maior parte do movimento, e se poderosas federações estaduais, mesmo dizendo não concordar com ela, preferem lhe votar fidelidade, renunciando parcialmente a seus anseio de independência e de liberdade, parece-me que a nós outros, que, livremente, optamos por preservar a liberdade a qualquer custo, não cabe ficar torpedeando o movimento pelo lado de fora. Quero dizer, enfim, que não temos nenhuma legitimidade para, por exemplo, exigir da FEB que renuncie ao roustainguismo. Aliás, ninguém tem o direito de exigir de ninguém que renuncie àquelas idéias nas quais crê com honesta sinceridade.

Do lado de dentro

O que precisamos, isto sim, é criar espaços de discussão interna, sem esse ranço do autoritarismo e do dogmatismo religioso. Isso é o que queria Kardec. E isso é o que deseja o XVIII Congresso da CEPA, que se realiza em Porto Alegre, de 11 a 15 de outubro deste ano. Temos o nosso perfil ideológico, que é claro, que é honesto e que não se compatibiliza com tergiversações. Mas, não vamos impô-lo a ninguém. Tampouco aos participantes de nosso Congresso, que podem inscrever seus trabalhos no Fórum de Temas Livres, desde que minimamente adequados à temática central da atualização do Espiritismo. Os que não pensam exatamente como nós, não precisarão ficar do lado de fora. É-lhes franqueado o lado de dentro. De tanto exercitarmos essa prática, pode ser que, um dia, até atinjamos uma mais ampla unidade de princípios e objetivos. Que fiquem do lado de fora única e tão-somente os que optaram pela intolerância e pelo autoritarismo. E, jamais, pessoas da qualidade do combativo líder espírita, autor das faixas que ficaram do lado de fora do Congresso de Goiás. Espíritas dessa envergadura, mesmo que com algumas idéias não exatamente coincidentes com as nossas, estão por nós convidadas a se inscreverem no Congresso e conosco participarem dessa jornada de trabalho que, por certo, não contará com 2.500 participantes, mas será marco de um novo modelo de congresso espírita. Coincidentemente, o exato modelo recomendado por Kardec.

Milton R. Medran Moreira é advogado, jornalista e vice-presidente da CEPA.

E-mail: medran@pro.via-rs.com.br