Artigo de Milton Medran Moreira - Junho de 2000

Opinião em Tópicos

O 3º Segredo

Finalmente, podemos todos dormir descansados. Gerações que, como a minha, nasceram e cresceram ouvindo histórias terrificantes, tipo daquela que dizia que o Papa Pio XII, ao receber da Irmã Lúcia a carta contendo a revelação do temível 3º segredo de Fátima, empalidecera e desmaiara, tiveram um alívio. Ou, então, como um amigo meu, muito católico, uma decepção danada: ora, se isso era segredo para se guardar por tanto tempo! E qual é a graça de se revelá-lo depois que (quase) aconteceu? Porque, na verdade, a previsão que a própria Senhora de Fátima fizera ela mesma, segundo a interpretação papal, se encarregou de alterar, mudando a trajetória da bala que deveria matar João Paulo II, em 1981, caso a profecia se realizasse de acordo com o que antes tinha sido escrito. Mas, o importante mesmo, para meu amigo, e para os bilhões de piedosos catastrofistas deste fim-início de milênio é que, por enquanto, a desgraça maior ainda não aconteceu. Nossa Senhora mais uma vez nos salvou!

Fé e Razão

O certo é que, com esse tipo de atitude, a Igreja consegue se manter permanentemente na berlinda. O 3º segredo que foi trunfo garantido pela manutenção do mistério por, pelo menos, metade deste século, no dia em que revelado ganhou manchetes de todos os grandes jornais do mundo. Repercutiu em todos os meios de comunicação. Eu mesmo fui convidado a debater com um padre, na televisão, as "grandes questões teológicas" relacionadas com essa estupenda revelação. Incrivelmente, dois ou três anos depois de a Igreja haver lançado uma encíclica versando sobre Fé e Razão, empurra goela abaixo de seus crentes mais essa embromação mística de absoluto mau gosto. Estrategicamente, joga em dois campos: diz-se racional ao afirmar, por exemplo, que esse tipo de revelação e as próprias aparições não são dogmas de fé e que ninguém está obrigado a nelas acreditar; ao mesmo tempo, estimula esse tipo de fé irracional, com gigantescos cultos populares, onde todas as crendices do mundo são incensadas e vendidas como respeitáveis manifestações de fé.

Mistérios

Na verdade, o povo gosta disso. Quer mistério. Anseia pelo sobrenatural. Pelo maravilhoso. Mesmo que esse maravilhoso seja o fim do mundo, o apocalipse. Não por culpa dele, povo. Mas, porque as religiões o acostumaram assim. Criaram os dogmas. Aprisionaram-nos no quarto escuro do mistério e guardaram a chave como trunfo do poder sobre o céu e a terra. O grande desafio do homem, mesmo em tempos onde estão em alta a ciência e a técnica, ainda é libertar as questões do espírito do domínio das religiões. Deus não é propriedade das religiões. Deus é um conceito inerente à Natureza. Não está fora dela, mas é por ela revelado em cada uma de suas manifestações. O espírito não é uma abstração somente apreensível pela fé. O espírito é uma realidade concreta sem cuja presença o universo se torna indefinido e indefinível. O futuro da consciência após a morte física não pode ser inserido num quadro regido por uma arbitrária graça divina que a alguns alcança e a outros despreza. O futuro da consciência após a morte é uma imposição natural da vida, porque o próprio conceito de vida sugere uma idéia grandiosa demais para caber nos acanhados limites da matéria.

Decepção

Meu amigo católico tem razão em estar decepcionado com o tal 3º segredo. Acenaram com guerras nucleares, terremotos e maremotos, invasão de capetas capturando os bodes e de anjos tocando trombetas para reunir as ovelhas. E, no fim, vêm com um tirinho de nada que nem foi capaz de cumprir a profecia. É que já não se fazem milagres como antigamente. E, pouco a pouco, de decepção em decepção, ou meu amigo se torna materialista, confirmando a afirmação de Kardec de que as religiões muito mais contribuíram para a perda do que para a aquisição da fé, ou, finalmente, começa a pensar e sai em busca de explicações mais sólidas e concretas para suas inquietações espirituais. Aí será a vez de o espiritismo cumprir sua parte. Não apresentando-se como uma nova religião, ou uma versão diferenciada do sagrado. Mas, como proposta racional, dinâmica e libertadora, mostrando que não há uma dicotomia sagrado-profano, mas uma única e palpitante realidade natural.

Milton R. Medran Moreira é advogado, jornalista e vice-presidente da CEPA.

E-mail: medran@pro.via-rs.com.br