Artigo de Milton Medran Moreira - Abril de 2000

Opinião em Tópicos

Pedido de Perdão

Sem dúvida, um dos acontecimentos mais importantes dos últimos tempos foi o pedido de perdão feito solenemente pelo Papa e que evoca os grandes erros da Igreja; das Cruzadas à Inquisição; das perseguições a “hereges” às discriminações à mulher, aos negros e aos índios. Acontecimento importante que, no entanto, não está imune à crítica que, ainda hoje, merece o poder religioso. O jornalista gaúcho Lauro Shirmer (Zero Hora) está divulgando resultados de uma pesquisa que fez sobre a vida de um marcante jornal que aqui se editou (A Hora) e que, nas décadas de 50 e 60, portanto ainda muito recentemente, sofreu atentados de parte da Igreja que se “não podem ser comparados às fogueiras da Inquisição, não foram tão insignificantes para serem esquecidos” (ZH 21.3.00).

Os Fatos

Shirmer apurou episódios como a reação de Dom Vicente Sherer a “uma inocente página de charges natalinas, tiradas de uma revista francesa” que levou o arcebispo de Porto Alegre a ensaiar uma proclamação proibindo os católicos de lerem aquele jornal “sacrílego”, ameaça só não consumada a partir de uma negociação feita entre a Cúria e a Direção do jornal, concordando esta última em cessar a publicação da seção de Nelson Rodrigues “A Vida como ela é”, tida pela Igreja como demasiadamente pornográfica. Mais: o arcebispo tentou impedir a estréia no Theatro São Pedro da peça de Sartre A Prostituta Respeitosa e conseguiu retirar dos cinemas locais o filme Les Amants, após telefonema dado ao então governador Leonel Brizola. Na mesma época, o líder católico Armando Câmara vetou, no Conselho Universitário da UFRGS, a vinda de Sartre e de Simone de Beauvoir a Porto Alegre, declarando: “se esta rameira pisar os pés nesta Universidade, saio pela mesma porta para aqui não mais voltar”.

O Monoquini

Lembram-se do monoquini? Aquele maiô com grossos suspensórios que encobriam apenas parcialmente os seios da mulher. Por ter exibido uma reportagem sobre aquela “ousada” indumentária dos anos 60, o Canal 12 de Porto Alegre terminou punido e ficou 24 horas fora do ar, a partir de violenta reação de Dom Vicente.São fatos quase de nossos tempos, mas onde a igreja ainda exercia uma poderosa influência sobre a sociedade e sobre os governos. Ainda não tinham surgido as religiões pentecostais que a enfraqueceriam popular e politicamente. O cristianismo, como um todo, era a grande religião do Ocidente, sem que houvesse ainda ocorrido o avanço do Islamismo e dos movimentos “New Age”, nos Estados Unidos. Enquanto detinha, assim, significativas parcelas do poder, a Igreja se mantinha arbitrária e intolerante. Jamais pediria perdão por coisa alguma. Quem luta pela verdade não tem que pedir perdão, seria seu raciocínio.

Verdade x Liberdade

Não há porque duvidar da sinceridade do Papa em seu pedido de perdão. E sempre será louvável seu histórico esforço em prol da paz e da tolerância no mundo. Mas, esse momento só foi possível pelo enfraquecimento do poder da Igreja. O poder religioso, enquanto dominante, raciocina no sentido de que, acima de tudo, está a verdade da qual se crê detentor e guardião. O valor “verdade” só abre espaço para a tolerância, a paz, a concórdia, o diálogo, a democracia e a liberdade, quando o poder de seus presumíveis detentores se vê ameaçado. Pedir perdão ou é ato de humildade ou manobra política para evitar humilhação.