Artigo de Paulo Cesar Fernandes - Junho de 2000

Onde está Deus ?

"Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a ti mesmo" (Jesus)

Nas reflexões sobre Deus, e num debate feito no Centro Espírita Alan Kardec, do qual participo. Em conversa com amigos que reputo de sólidos conhecimentos espíritas, algumas idéias passaram a tomar conta de meu pensar, mais recente, no que tange a esse aspecto. Vejamos :

Me disse um amigo : o Espiritismo é deísta. E eu concordo com ele. Os próprios Espíritos, fonte de informação de Kardec, e o próprio Kardec afirmam isso categoricamente. Tanto que a primeira questão que é colocada no Livro dos Espíritos é "Que é Deus ? " ( Qu'est-ce que Dieu ? ).

Já vinha com algumas reflexões sobre o tema, quando alguém disse certa feita, que em sua primeira edição de "O Livro dos Espíritos" Kardec teria perguntado "Quem é Deus ?", o que me causou espanto e gerou curiosidade. Indo verificar pude constatar que isto não é verdade, e pode ser verificado em "O Primeiro Livro dos Espíritos de Allan Kardec 1857" editado em 1957 pela Companhia Editora Ismael, numa edição bilingüe, cuja tradução foi feita por Canuto Abreu, edição constante de 501 questões apenas.

Em me restando dúvidas busquei saná-las. E ninguém melhor para isso que Jacques Peccate um francês. Tanto minha pergunta original, quanto sua resposta tal qual foi dada, podem ser vistas em box nesta página.

Onde encontramos a pergunta "Quem é Deus ? " é na tradução feita por Júlio de Abreu Filho, para uma edição comemorativa da 1ª Exposição do Livro Espírita em São Paulo realizada de 16 a 30 de abril de 1955 [1] . A tradução que consta em tal edição é a seguinte :

Quem é Deus ?

Deus é a inteligência suprema causa primeira de todas as coisas.

Este livro, contendo 1018 questões, foi editado pela Editora O Pensamento, numa versão brasileira que, segundo consta do livro, teria sido rigorosamente traduzida a partir da 22ª edição de Kardec.

Uma vez colocada a exatidão dos fatos. Vale dizer que, em sua essência tanto uma tradução quanto a outra, ambas demonstram a preocupação do codificador sobre esse tema.

DEÍSTA ?

Kardec queria saber Que é Deus? Denotando aí sua preocupação com relação à compreensão da divindade. E obteve como resposta o seguinte : " Deus é a Suprema Inteligência, Causa Primeira de todas as coisas. Para acreditar em Deus é bastante lançar uma vista sobre as obras da criação." [2]

Daí temos a existência de Deus como um dos princípios básicos do Espiritismo.

Interessante notar que, quando voltamos nossa atenção para o livro "Obras Póstumas" , quando Kardec fala das Cinco Alternativas da Humanidade. Em tratando da alternativa deísta, estabelece uma distinção entre os deístas independentes e os deístas providenciais.

O deístas independentes crêem em Deus, e admitem os seus atributos como o criador. Deus teria criado as leis gerais que regem o universo, e estas leis funcionariam por si só. Kardec refuta tal tese por compreende-la como fruto do orgulho do homem.

Os deístas providencias crêem na existência e no poder criador de Deus, bem como na sua intervenção incessante na criação; não admitindo culto externo, bem como dogmatismo.

Quando, no mesmo texto de Obras Póstumas, Kardec define a alternativa espírita, nada diz que nos diferencie dos deístas providenciais. Dentre os itens por este abordados temos

O princípio inteligente é independente da matéria;

A alma preexiste e sobrevive ao corpo;

Somos criados simples e ignorantes;

A evolução se dá mais ou menos rapidamente segundo o livre arbítrio do espírito e esta se faz através das reencarnações, tendo em vista que uma única existência não seria suficiente para desenvolver todas as suas potencialidades;

Sua felicidade depende do seu grau de adiantamento moral;

A alma dos loucos e idiotas é de mesma natureza da alma das pessoas normais.

Na Alternativa Espírita, Kardec não estabelece uma concepção clara de Deus, e nem uma que venha a se contrapor às idéias propostas pelos Deístas Providenciais. Dessa forma, tendo a concordar com meu amigo no que diz respeito à concepção Espírita de Deus. Somos Deístas e Deístas Providenciais uma vez que Kardec refuta firmemente ao Deísmo Independente.

Sabemos todos da dificuldade que temos em compreender Deus. Na própria resposta dada na primeira edição de Canuto de Abreu há uma complementação da resposta dos espíritos : Para acreditar em Deus é bastante lançar uma vista sobre as obras da criação.

Não haveria portanto, outra possibilidade que não fosse uma análise da obra e, em última instância, um ato de fé no que diz respeito à crença em Deus. Para o nosso padrão evolutivo a perspectiva do conhecimento de Deus estaria fora de cogitações. O que não acontece para Espíritos puros ou chegados ao mais alto grau de desmaterialização, conforme podemos ver no extrato da Revista Espírita de abril de 1866, em sua página 123 :

"Sendo Deus a essência divina por excelência, não pode ser percebido em todo o seu brilho senão pelos Espíritos chegadas ao mais alto grau de desmaterialização. Se os Espíritos imper­feitos não o vêem, não é porque estejam mais afastados que os outros; como eles, como todos os seres da natureza, estão mer­gulhados no fluído divino; como nós estamos na luz, os cegas também estão na luz e, contudo, não a vêem. As imperfeições são véus que ocultam Deus à visão dos Espíritos inferiores; quando a cerração se dissipar, eles o verão resplandecer: Para isto nem precisarão de subir, nem de ir procurá-lo nas Profun­dezas do infinito; estando a vida espiritual desembaraçada das manchas morais que a obscurecem, eles o verão em qualquer lugar onde se encontrarem, ainda que na terra, desde que está em toda a parte."

UM ABISMO PREOCUPANTE ?

Do exposto até agora, podemos concluir a existência de um abismo, um enorme abismo entre nossa capacidade atual de apreensão de Deus e o momento na qual sejamos capazes de apreende-lo. Seja ele um conceito, um ser antropomórfico, transcendente ou imanente. Tal abismo, não conseguiremos transpor a curto ou médio espaço de tempo. Sendo para isso necessárias inúmeras reencarnações, vivências diversas, despojamento de características negativas das quais somos portadores. Enfim, é algo que está longe, muito longe do nosso horizonte imediato.

Dessa forma, o que quero propor aos leitores desse artigo, é que deixemos tais preocupações para o momento a elas adequado. E mais, que atentemos para a complementação da resposta "é bastante lançar uma vista sobre as obras da criação".

É nesse aspecto que venho refletindo mais fortemente. Se Deus é essa entidade distante, muito distante de nosso momento intelectivo e emocional, por que motivo não nos voltarmos para aquilo que, próximo de nós, mais dele nos aproxime, que é a sua criação.

Pouco tempo atrás, respondendo a um amigo que me prestara um grande favor, disse a ele : "Deus se faz presente exatamente nos amigos sinceros que temos". E eu acredito muito nisto. É através de um relacionamento limpo e sincero entre as diversas criaturas, que poderemos estar agindo como co-criadores, e participando mais efetivamente na reelaboração do mundo.

De nada adianta ficarmos falando mal do mundo, praguejando, achando tudo ruim, tal qual a hiena do desenho animado. De nossa parte devemos fazer algo enquanto construtores de um mundo novo. Um mundo novo não virá da inércia, do comodismo, das críticas cheias de palavreado e vazias de obras.

O Espiritismo, com seus conceitos chega à Terra num momento culturalmente propício. Sendo capaz de propor uma nova praxis do homem no mundo. O conceito de imortalidade por ele trazido; tem que modificar o homem não apenas no seu universo intelectual; mais ainda no seu universo da ação com seus semelhantes. Este nos faz tomar por meus semelhantes, não apenas os que comungam a marcha no dia a dia. Mas meu semelhante é tudo que se insere no projeto da criação através das Leis Naturais. Do mais simples microorganismo à inteligência mais produtiva que a humanidade pôde produzir, nos mais diferenciados planetas e sistemas solares. É imperioso lembrar ainda que tudo se encadeia no Universo.

Concluindo gostaria de reafirmar que o Espiritismo propõe a existência de Deus, segundo vimos acima; mas nos acena com a possibilidade de percebê-lo num futuro muito remoto.

O momento de agora nos chama a atitudes pró-ativas, no sentido de fazermos de nossa vida algo útil, tanto para nós como para nossos semelhantes, estejam eles perto de nós, ou em países distantes, pois todos, absolutamente todos, somos partes integrantes da criação, e apenas através de um processo fortemente solidário conseguiremos sobrepujar as dificuldades do momento atual.

Estou certo que estaremos no caminho certo no momento em que fizermos de cada um de nossos semelhantes deuses, não para adorá-los mas para respeitando-os e unindo-nos a eles, estruturarmos um novo momento para a vida de quantos habitam a Terra.

Paulo Cesar Fernandes é Analista de Sistemas, Jornalista e Microempresário na Baixada Santista. Atua como Diretor de Comunicação Social do Centro Espírita Allan Kardec, em Santos.