Artigo de Jaci Régis - Novembro de 2000

Obsessão e Depressão


A questão da obsessão domina o movimento espírita, dentro de uma visão bastante simplista. Embora o Espiritismo jamais tenha postulado que a existência do mal seja uma condição permanente e insuperável do Universo, ao contrário, considerando-o uma atitude transitória, no processo evolutivo, muitos parecem absorver as tradições sobre o satanás e os demônios.
É o caso de Salvador Gentile, que acaba de lançar o livro Depressão - Cura-te, a ti mesmo (Editora Espírita Cristã Ltda - Araras).
Para Gentile, depressão nada mais é do que "uma fase avançada do processo obsessivo, resultante do assédio persistente de Espíritos inferiores sobre a mente do homem e dos que o circundam".
Para ele, basta a pessoa baixar seu padrão vibratório, para Espíritos malfazejos atirem-se sobre ela como urubus sobre a carniça e ela será em pouco tempo dominada pelas forças inferiores e entrará em depressão.
Logo, a depressão não estaria na pessoa, mas na atuação doe Espíritos. É claro que a pessoa é "culpada" porque fraquejou, entristeceu-se, revoltou-se, desanimou. Ela deveria saber que "Espíritos malfazejos que o espreitavam se aproveitam para entrar e dominar sua mente e sua vida."
Parece que Gentile não possui formação em psicologia ou psiquiatria e tira suas conclusões do trabalho que executou ou executa no centro espírita atendendo aos que procuram os núcleos doutrinários para livrar-se de seus males.
Para ele como todos são médiuns a "reincidência da depressão é uma coisa constante, justamente pelo fato de que a pessoa continuará sempre a ser médium, estando sujeita ao assédio espiritual toda vez que cair em seu padrão vibratório e entrar em sintonia com as forças inferiores".
Como é comum nos meios espíritas, Gentile descarta a Psiquiatria, a Psicanálise e a Psicologia, como capazes de ajudar as pessoas a superar a depressão. Acreditam que tudo está nas mãos dos Espíritos e que podem enfrentar quaisquer situações simplificando-as.
O autor se vangloria de que "No atendimento fraterno junto às pessoas assediadas pelos Espírito inferiores tivemos a satisfação de ver quase todas conseguirem , com um mínimo de esforço, se libertar em breve tempo."
Ë como ele obteve essa proeza? "tudo consiste em orar e vigiar, como ensinou Jesus", diz ele. E para se livrar, basta desligar a sintonia que o obsediado-deprimido mantém com o obsessor-depressor E como? Através da vontade, da prece e da mudança do pensamento.
"Mas tudo bem! Como sair de sintonia, como sair da tristeza? Ora, com alegria! Vou cantar, ainda que seja mentalmente, alguma coisa alegre. Vamos ver, do que me lembro? Ah! já sei, vou cantar a Jardineira: Ó jardineira porque estas tão triste.... Oh! que alívio, Nem bem acabei de cantar e já a tristeza bateu em retirada ou os agentes da tristeza foram desligados do meu Espírito. Graças a Deus!

A Depressão é Mais Grave
Embora a boa vontade, Gentile não conhece o que seja realmente a depressão. Esta é um estado da alma que fecha-se no egotismo mais profundo e embora enaltecendo-se cria uma mistura de auto-acusação e simultaneamente acusando os demais. É provável que desencadeada, possa ter um componente obsessivo, mas este seria complementar e não o desencadeante.
Fala-se muito em depressão, como fala-se em estresse, uma moda para justificar atitude fúteis e compensar frustrações. Mas a verdadeira depressão é muito mais dolorosa. Seria absurdo supor que os encarnados não passam de bonecos nas mãos do Espíritos inferiores, que como vírus estão a espera de uma transitória fraqueza da pessoa para proliferar, infectar e infelicitar a vida por mero prazer ou por precisar de alimento vital, idéias sem sustentação na pesquisa.
Na minha experiência clínica, verifico que a depressão, quando real, é uma fratura moral, baseada em fatores múltiplos, sustentada pelo medo e do fascínio da morte como espécie de nirvana sombrio.
As pessoas que procuram centros espíritas, nem sempre estão realmente obsediadas, mas passam por problemas existenciais por falta de definição de suas próprias existências, alimentando-se de idéias e desejos frustrados ou, mais ainda, mal elaborados.
Mas como se criou a cultura da obsessão, dentro da visão do bem e do mal, logo se afirma: é obsessão. É surpreendente como a maioria logo se livra à medida que toma maior contato com a doutrina e resolve assumir o comando da vida.
Pela visão de Gentil todos estamos com a Espada de Demóstene sobre a cabeça, a ponto de, ao menor desvio de uma moralidade não muito definida, sermos assaltados pelos bandidos das trevas, batalhão de malfazejos, sem eira, nem beira, sem controle e sem destino que vive à cata de vítimas para suas inconfessáveis necessidades sexuais, afetivas e demoníacas.

Um Debate Interessante
Há algum tempo mantive um debate muito produtivo na Lista do IPEPE, na Internet. Selecionei os seguintes trechos que mostram os pensamentos a respeito da depressão
Dr. Jorge Dauer, médico, endocrinologista, atua no Hospital Espírita de Psiquiatria de Anápolis.
O interessante é que Depressão não se cura apenas com passes e água fluidificada, mas com o que isso representa, uma recognição, um modo novo de percepção da vida, principalmente se o paciente é envolvido em trabalho assistencial que o convida a sair de seu casulo.
Nos casos graves, que necessitam de internação, nossa experiência pessoal em oito anos de trabalho de desobsessão no Sanatório Espírita de Anápolis, acompanhando pacientes tratados através de psicofármacos, psicoterapia e terapia ocupacional, é que a resposta, mesmo com o implemento do arsenal espírita, ainda é ruim. Os casos de Depressão Maior, que documentamos, mostram uma total desilusão e perda do interesse por parte dos pacientes, mesmo quando, nos casos de influência obsessiva concomitante, o agente intruso tem sua ação redirecionada.
Um dado interessante é a superestimação do diagnóstico Depressão. Em estudo recente, veiculado pela rede em boletim médico, até 20% dos casos de Demência são tratados como Depressão. Confunde-se muito, também, a introversão patológica da Esquizofrenia com Depressão, sem contar que, se considerarmos Obsessão Espiritual como noopatia, admitiríamos mais um diagnóstico diferencial, além dos já habituais, que implicaria em tratamento e prognósticos diferentes.

Jaci Régis - psicólogo clínico
Sobre a depressão, parece que há uma certa confusão, pois se diz "depressão", para fatores existenciais que não seriam propriamente depressão. Estar triste, desanimado, sem motivação, não é estar com depressão. Esta é um estado patológico muito específico. A depressão é um estado psicológico que provavelmente influi no cosmo cerebral, produzindo problemas vivenciais de grande sofrimento.
É claro que todo neurótico é egoísta (e quem não é?) não no sentido moral ou moralista, mas porque não desenvolveu uma auto imagem produtiva e, portanto, volta-se para si, a procura de uma saída. Muitas vezes, odeia-se pelo fato de ter acreditado, de ter produzido, de ter sucesso. Outras vezes é o vazio do não-ser.
Creio que o uso de certos medicamentos específicos ajuda a evitar, por exemplo, o suicídio e o desespero total. A depressão real representa uma espécie de "esquizo" afetivo-existencial. Mas, o mais importante é prevenir a depressão. É verdade que muitas pessoas têm uma tendência depressiva que pode ser uma característica de personalidade construída nas vivências anteriores, uma vez que os problemas afetivos não resolvidos continuam no Espírito, independentemente das encarnações sucessivas.
A prevenção passa pelo otimismo, pelo pensamento positivo e pelo exercício do servir. Jesus de Nazaré estabeleceu uma condição decisiva para o equilíbrio espiritual, ao afirmar que "o que quiser ser o maior que seja o servidor de todos".
Entretanto "servir" não é apenas fazer, trabalhar, juntar-se ao grupo. É mais, é um estado de doação difícil de alcançar. Mas quem não começa pelo fazer dificilmente chegar ao servir. Outra coisa é forrar-se das ondas de pessimismo que invadem a sociedade. Sem fugir às realidades do mundo, nem alienar-se do real, precisamos evitar mergulhar nas ondas mentais que detonam conflitos de todos os matizes. Creio que um sentimento espírita autêntico nos dá uma alegria e uma certeza que produz otimismo razoável, equilibrado e benéfico.

Wanderley, (SOS Depressão - Minas Gerais)
Alguém aqui na lista (não me lembro quem ) fez uma afirmativa de que conhecendo e aceitando Espiritismo teríamos 99% dos casos de depressão resolvidos.
Ledo engano e falta de vivência com doentes e doenças.
No atendimento que sempre prestamos aos portadores de depressão , sempre procuramos em primeiro nível avaliar o grau de gravidade e apurar se já faz tratamento medicamentoso, antes mesmo de iniciarmos a terapêutica espírita.
Sabemos que as pessoas nos procuram , assim como procuram os Centros Espíritas, em uma posição mística e imediatista como se o problema de depressão delas fosse algo que nós pudéssemos resolver.
Costumo dizer que as doenças existem para nosso aprendizado, e quando aprendemos o que elas tem a nos ensinar então há uma trégua, mesmo que não haja a cura.