Artigo de Jaci Régis - Abril de 2000

Momentos Decisivos

Eram “ velhos” amigos. Pois são jovens, bem jovens. Colegas de escola, fluía entre eles uma amizade sincera. Ela, uma bela e simpática adolescente, de 17 anos. Ele um rapaz que parecia até mais maduro para os seus 18 anos.O encontro deu-se numa dessas danceterias da moda, que reúne adolescentes e jovens.

- Há quanto tempo Marco Antônio!.... exclamou Alice, ao vê-lo.

Ele acolheu aquela alegria expansiva da jovem com um largo sorriso.

Abraçaram-se, beijaram-se no rosto.

- Por onde tens andado, Marco? Faz bem mais de um ano que não te encontro...

- Passei por uma barra pesada, respondeu o rapaz, meio acabrunhado...

- Mas o que houve? Insistiu a moça.

- Para você eu posso contar, respondeu Marco Antônio.

Sentaram-se e a conversa rolou como uma confissão e como um canto de esperança. Ela lembrou-se dos tempos da escola e reviu Marco Antônio e Pedro, os dois amigos muito chegados. Soube, na época, que ambos tinham entrado no caminho das drogas, mas... Então, ele contou sua história.

De fato, embrenharam-se nas vielas do vício. Fumava maconha.Certa vez, ele mais dois colegas compraram uma boa quantidade da erva e foram para uma praia fumar. Devido ao volume do tóxico, eles entraram em parafuso, nessas “viagens” alucinatórias, estropiadas, de chegada sempre amarga.Mas não pagaram os traficantes. E foi aí que a coisa piorou.

Estavam os três jovens num carro, quanto os traficantes os cercaram. Um deles colocou o revólver na cabeça de Marco Antônio e entre ironias e expressões agressivas, deu-lhe um prazo exíguo para pagar a dívida, -senão, disse encostando mais o cano da arma na cabeça , eu lhe mato.

- Fiquei apavorado, Alice. Não sabia o que fazer. Então resolvi contar tudo para meu pai. Foi um sufoco.

- E qual foi a reação dele?

- Ele ficou abaladíssimo. Perdeu a confiança em mim.

- E depois, insistiu Alice, ansiosa.

- Bem, meu pai deu-me dinheiro para pagar a dívida e traçou um programa severo. Em primeiro lugar, tirou-me da escola particular em que estudava, matriculando-me em escola pública. Segundo, determinou que eu encontrasse trabalho. E manteve uma vigilância 24 horas por dia.

- Como você se saiu, meu amigo?

Alice estava emocionada.

- Foram meses muito duros. Tremia, tive vômitos, mas há mais de quatro meses não sinto nada, não tenho vontade de fumar maconha . Enfim, sinto-me livre e quero consolidar essa minha vitória.Houve um silêncio de apreensão e satisfação...Alice abraçou-o com carinho.

- E o Pedro? Continua nas drogas?

Marco Antônio não queria falar sobre o amigo.

Alice insistiu.

Finalmente ele disse que Pedro não apenas continuava, como usava além da maconha outras drogas mais pesadas e de difícil saída.

A narrativa, ouvida silenciosa e refletidamente, me fez pensar que tanto o jovem quanto seu pai, viveram, naquele dia em que ele contou-lhe sobre o perigo de vida que corria, um momento decisivo.

O jovem, porque resolveu procurar o pai. Seja por ser a última esperança ou porque, quem sabe mais realisticamente, sabia que ele responderia de maneira positiva ao seu desespero. É provável que Marco Antônio faça parte de uma família razoavelmente centrada.

O pai de Marco, por sua vez, posicionou-se de maneira equilibrada. Mas não deve ter compreendido porque não observara o comportamento do filho, não notara mudanças nele, acompanhara seus problemas, de modo a evitar que ele se comprometesse. Sentiu o golpe. Reconhecer que um filho entrou nas vielas das drogas é choque tremendo, porque o futuro passa a ser desenhado de forma obscura, triste, cheio de sofrimentos.

Entretanto, aceitou o fato e, ao invés de perder-se em lamentações e culpas, partiu para a tentativa de ajudar o filho a sair daquela “barra”. Estabeleceu condições, vigiou, ficou extremamente presente.

Muitos pais, surpreendidos pelo choque da revelação dos filhos drogados, se enchem de culpa e não sabem como agir. Às vezes praticamente alimentam o vício, fornecendo dinheiro e aceitando as atitudes filiais, como irremediáveis. Outras vezes agem de forma violenta, tentando eximir-se da responsabilidade.

Mas Marco Antônio teve o seu grande mérito. Primeiro, porque procurou seu pai. Segundo, porque reconheceu que entrara numa “fria”. A ameaça de morte alertou-o e percebeu que se continuasse seria o desastre moral, físico e social. Tanto que aceitou as condições paternas. Terceiro, porque suportou as pressões da desintoxicação , não fraquejando diante dos vômitos e mal-estar.

Foi um final ou quase final, feliz.

O pai seguro de ter feito o que precisava ser feito, inclusive, positivamente, procurou fazer uma reavaliação da relação familiar.

O jovem porque descobriu que pode ser feliz, pode crescer e amadurecer, sem o uso de aditivos, drogas e semelhantes.

Em toda a nossa vida, temos um momento decisivo, em que decidimos os rumos de nossos passos, resolvemos o caminho a ser caminhado. Se a decisão for positiva, o sol brilhará no horizonte. Ao contrário, o frio das noites sem Lua, persistirá como desencanto para sempre.