Artigo de Roberto Rufo - Março de 2000

Algumas Considerações sobre a Lei de Igualdade

É inevitável existir alguma desigualdade.

Steven Weinberg - Prêmio Nobel de Física em 1979

Logo na resposta à pergunta 803, de O Livro dos Espíritos, os Espíritos deixam bem claro que Deus não concedeu superioridade natural a nenhum homem, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos são iguais diante dele.

Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 16 de janeiro de 2000, sob o título Cinco estilos de utopia despontam no horizonte, o físico Steven Weinberg examina as várias roupagens com que o pensamento utópico poderá exibir-se no próximo século.

Interessante de se notar é que as pessoas que estão vendendo essas utopias abandonam uma ou mais das grandes causas — a igualdade, a liberdade e a qualidade de vida e trabalho — que motivaram as melhores idéias utópicas no passado.

Abordarei duas dessas presumíveis utopias.

A - Utopia do Livre Mercado

Livre das amarras artificiais, o mundo torna-se industrializado e próspero

Segundo o físico Steven Weinberg, este estilo de utopia tem a vantagem de não depender de nenhuma suposta melhoria da natureza humana. O que é maximizado nessa utopia é a produtividade, a eficiência, o produto interno bruto, etc.; o resto, mais claramente, a felicidade e a riqueza são meras conseqüências. Uma coisa que não é maximizada por mercados livres é a igualdade. E sem o saber, o físico Weinberg acaba expressando uma idéia espírita quando assinala que por igualdade não se está falando da pálida substituta da igualdade, conhecida por igualdade de oportunidade, mas da igualdade em si .

Digo que ele expressa uma idéia espírita, pois o Espiritismo, ao contrário do que se tornou “domínio público” não fala em igualdade de oportunidade e sim em igualdade de direitos. Isso fica bem claro quando Kardec e os Espíritos conversam sobre a igualdade dos direitos do homem e da mulher.

Sempre me pareceu muito darwinista, a tese que se impingiu ao Espiritismo da igualdade de oportunidade, pois seja lá que propósitos possam estar servidos na recompensa ao talento, nunca entendi porque pessoas menos talentosas mereçam menos do que as outras, as coisas boas do mundo.

Para o Espiritismo, mesmo admitindo a desigualdade do mérito, o que é bem diferente, pois a diversidade de aptidões se relaciona com o grau de aperfeiçoamento de cada um, a desigualdade das condições sociais não é lei natural, é obra do homem, cabendo a este, como integrante de uma sociedade e do Estado, intervir em favor da coletividade.

Na utopia do livre-mercado, é difícil perceber como promover a igualdade e oferecer uma rede de segurança aos que, sem ela cairiam no fundo da economia, a menos que os governos interfiram nos mercados livres.

B - A Utopia do melhor e mais brilhante

As questões públicas são postas nas mãos de uma classe de líderes inteligentes e bem-educados.

Era essa a visão de Platão, na República e em outros diálogos. Platão descreveu uma sociedade hierárquica de camponeses e soldados, governados por uma classe de “vigilantes” eugênicamente criados.

É aquela idéia de que somente uma elite formada pelos 3% a 5% do topo de uma sociedade, pode efetivamente cuidar dos assuntos públicos.

Sabemos, de antemão, que os governos autoritários não se comportam melhor, economicamente, do que os governos democráticos. Todavia, uma elite restrita no poder sempre acaba priorizando os próprios interesses. Se o poder não está necessariamente a salvo nas mãos de alguma elite, conclui o físico Weinberg, também não o está necessariamente nas mãos do povo. O melhor que podemos esperar, a meu ver, é que o poder seja amplamente espalhado por muitas instituições governamentais e privadas.

Em As Aristocracias,( Obras Póstumas), Kardec afirma: hoje, a inteligência domina (século XIX, mas a definição é válida para o século XX) torna-se soberana no conceito universal, tão realmente que vemos o homem do povo elevado à culminância social. Contudo, Kardec adverte: que o homem ao procurar o bem-estar, se não o encontra satisfatório no reino da inteligência, procurá-lo-á em outros lugares. E onde poderão encontrar a não ser no reino da moralidade? Para isso é preciso que a moralidade domine a maior parte.

Quem leu o livro Notícias do Planalto (Mário Sérgio Conti, Companhia das Letras, 1999) atesta que no Brasil ainda estamos longe disso, pois nada mais brasileiro do que supor que a “modernização” (faço aqui também meu mea culpa) pudesse ser feita por alguém que se formou e foi criado e nasceu das mais atrasadas elites brasileiras, que dominam e exploram o Estado. Estou falando do famigerado Collor e sua quadrilha.

João Sayad, ex-ministro do Planejamento, também da elite é claro, costuma dizer que o Brasil tem horror ao rodízio democrático e prefere aceitar mentiras como meias verdade. A elite brasileira tem a firme vontade de não perder o controle. Aí estão Sarney, ACM, Bornhausen, Pratini de Morais, Inocêncio de Oliveira e outros. Ontem, lacaios do regime militar, hoje “liberais progressistas”. Tudo perdura. Infelizmente, a Providência não provê sobre coisas tão demasiadamente humanas. Voltaremos ao assunto.