Artigo de Eugênio Lara - Maio de 2000

A Força da Vontade

Em mãos um informativo de quatro folhas, formato ofício, de apresentação e conteúdo modestos, mas que atende ao objetivo principal de um periódico: informar. Formar e informar. A informação é o elo de ligação entre os leitores e os jornalistas. No caso específico, o mais interessante é ter sido confeccionado por um grupo de cidadãos portadores de deficiência física e mental.

Isso lembra um conflito recente criado por uma portadora de deficiência visual, uma ceguinha, no jargão antigo e pejorativo, que foi impedida de circular no metrô de São Paulo por estar acompanhada de um cão, seu guia, seus olhos. Mesmo com advogado, oficial de justiça, imprensa, houve muito bate-boca até ser liberada. Ela, advogada, consciente de seus direitos como cidadã e deficiente, resolveu empeitar o preconceito e a burocracia ridícula que se apossou de nosso País. Conseguiu garantir seus direitos e abre mais uma avenida que devemos trilhar na peleja contra o preconceito.

O Super-Homem mais popular, o ator Cristopher Reeves, luta ardorosamente para voltar a andar. Seu ativismo na obtenção de verbas do Congresso Americano vem despertando a atuação de pessoas portadoras de outras formas de deficiência, como o Mal de Parkinson, câncer, Aids. Instituições, organizações não-governamentais surgem a cada dia, reforçando o coro daqueles que se engajam a favor dos direitos dos deficientes.

A exclusão de termos pejorativos como leproso, mongolóide, ceguinho, aleijado, retardado e tantas outras palavras depreciativas — segundo uma ética aceita pelo novo modismo importado dos EUA, a mentalidade “politicamente correta” — vem ganhando espaço. Isso significa uma valorização do deficiente que agora tem até Olimpíada e alguns esportes adaptados a determinado tipo de limitação física.

Desde que passei a integrar a comunidade kardecista, logo percebi que a quantidade de famílias espíritas ou simpatizantes que convivem com a deficiência é razoavelmente grande. Instituições como Nosso Lar, Casas André Luiz, Sociedade Pró-Livro Espírita em Braile (SPLEB) e tantas outras, mantidas por espíritas, mostra uma faceta da Doutrina Espírita que poucos conhecem: a sua visão abrangente e complementar a todo o avanço científico e experimental, a sua ética, que nos conduz ao exercício de virtudes que temos de conquistar a cada dia.

Casos como os citados inicialmente, nos faz pensar em nossas reais limitações. Todas elas.

Deficientes todos somos. A limitação, que ultrapassa uma certa faixa de normalidade, vira deficiência — auditiva, visual, intelectual, mental, física. Seja qual for, emerge lá do fundo d’alma como um grande desafio, uma esfinge que teima em nos devorar e ao que nos resta dos próprios enigmas, aparentemente decifrados, tanto para o portador da deficiência como para os que com ele convivem. O desafio, primeiramente individual, se espraia ao redor, impulsionando a coletividade, nós, os seres humanos, a conviver e aprender com a limitação, no próximo ou em si mesmo.

Ao reencarnarmos nos limitamos, nos inserimos num contexto delimitado pela cultura e a materialidade da vida, condição sine qua non que nos é dada. Sujeitos ficamos à destruição, à entropia, mas não somos criaturas entrópicas, pois nosso dinamismo, mesmo acoplado à materialidade, se projeta para além dos cinco sentidos facilmente mensuráveis. Somos seres perenes e possivelmente incriados, no sentido teológico.

São as vicissitudes da vida de que nos falam os Espíritos mais experientes. Reajustes necessários, educativos, sem o sentido de penitência, condenação. Um desequilíbrio a ser superado. Mais um, como tantos outros que zombam de nossa paciência, de nossa indolência moral e amiúde, mental.

Nesse campo minado, o fatalismo cármico, o castigo divino, são perfeitamente dispensáveis, só atrapalham. Ouso dizer que o Espiritismo é talvez a única corrente filosófica de pensamento que devolve ao deficiente sua integridade moral e espiritual, sem dogmas, palavras de ordem, sem sofismas. Não fica só no discurso, no aconselhamento, mas constrói uma práxis que está aí para quem quiser ver, nas instituições e publicações espíritas. O verdadeiro olhar espírita é generoso, por natureza. Benevolente e tolerante para com as deficiências em suas mais variadas formas, principalmente a moral, que não depende de fisioterapia ou fonoaudiologia para se aprimorar. Depende da vontade. Sim, da força da vontade, essa mesma que impulsionou aquele grupo de excepcionais a fazer um jornal, a advogada deficiente na luta por seus direitos e um grupo de espíritas cegos a fundar um centro espírita, a SPLEB. Todos temos essa força, basta querer usá-la.