Artigo de Eugênio Lara - Dezembro de 2000

Espiritismo Social

Allan Kardec fez várias prospecções. E como todo iniciador de uma idéia, de um movimento, foi traído pelo entusiasmo ao se surpreender com o crescimento vertiginoso do Espiritismo na França e no mundo. Estatísticas feitas em sua época chamam a atenção pela quantidade enorme de grupos espíritas que começaram a surgir, obrigando-o a sair de seu gabinete em Paris e viajar pelo país proferindo palestras, aceitando homenagens e orientando os recém-formados grupos espíritas.
Imginava ele que este século que termina seria o século do Espiritismo. Podemos dizer que foi o século do materialismo, do pragmatismo tecnológico, do individualismo, da reafirmação do ego, dos 15 minutos de fama. Elaborou um projeto de estruturação do movimento espírita que sempre foi ignorado pelos espíritas, acostumados às estruturas burocratizantes, hierarquizadas, bem ao gosto dos movimentoe religiosos. Por incrível que pareça, ao invés de se tornar uma filosofia libertadora, tornou-se um movimento alheio às idéias de seu fundador, notadamente no Brasil. E os resultados foram funestos para o progresso do pensamento espírita.
A distância que separa a Doutrina Espírita dos espíritas, separação meramente teórica, foi tanta que criou-se um abismo entre Kardec e o Espiritismo, da mesma forma que existe uma fenda abissal entre Jesus de Nazaré, que virou o Cristo, e o cristianismo. Movimentos como o da espiritização, lançado pelo Espiritismo e Unificação na década de 80, jornal que antecedeu este Abertura, foram combatidos sistematicamente, a reação não foi nem um pouco amistosa. Chega a ser ridículo, tanto quanto estressante, ter que espiritizar o Espiritismo ou kardequizar os kardecistas. O tempo demonstrou que é um trabalho necessário, mas que não pode se limitar aos entraves criados pelo instinto de conservação próprio de qualquer idéia institucionalizada. Nem sempre vale a pena ficar clamando no deserto.
Pois as pessoas são livres e os movimentos que elas criam também. O Espiritismo seguiu um caminho historicamente compreensível, influenciado por fatores culturais e antropológicos quase que inevitáveis. Chega de ficar chorando o leite derramado. É preciso avançar ainda mais quanto ao papel que cabe ao Espiritismo.
De todas as prospecções de Kardec, a mais admirável foi acerca da propagação do Espiritismo. Em duas oportunidades ele abordou o tema e imaginou, de início, quatro fases, ampliadas posteriormente para seis. Guardadas as diferenças entre os períodos, que não cabe aqui analisar, há uma coincidência quanto ao que ele imaginou ser a fase final de propagação da Doutrina: ela terá de ser social.
Pois aí está uma das grandes finalidades do Espiritismo, a sua influência na sociedade, no campo da educação, das idéias. Não adianta ficar imaginando um movimento ativista, aguerrido, como o marxismo, por exemplo. A natureza da filosofia espírita é bem outra, ela é reflexiva, intelectiva e profundamente ética. O Espiritismo é uma ética, seus princípios normativos atuam no plano axiológico, dos valores, mudando o eixo vivencial das pessoas. A revolução que provoca é silenciosa, quase que imperceptível, pois não tem toda aquela parafernália de movimentos outros mais engajados e belicosos, nem deve ter.
Muitos adjetivos foram utilizados para reafirmar o verdadeiro caráter do Espiritismo: filosófico, científico, laico. E outros para desviá-lo do trilho kardequiano como cristão, religioso, evangélico. Pois já que é assim, também proponho uma adjetivação que se faz necessária nesse século que se inicia: Espiritismo Social. É preciso recuperar seu caráter sociológico e imprescindível resgatar o caráter ativista de seu fundador. Kardec foi, no sentido gramsciano, um intelectual orgânico, um homem de ação, um militante entusiasmado e idealista. Desde a juventude preocupava-se com a educação das massas, com o progresso moral.
Em função do estímulo ao individualismo, do crescimento do egoísmo social e de suas consequências perniciosas, abre-se uma lacuna que o Espiritismo tem todas as condições de preencher pois ele é profundamente humanista e reafirma o sentido libertário, existencial e moral das pessoas, a partir da compreensão de suas idéias evolucionistas e imortalistas. O Espiritismo terá que ser social senão terá um fim profundamente melancólico e lamentável.