Artigo de Jaci Régis - Março de 2000

O Espinho da Insatisfação

Como definir a satisfação?

Talvez dizendo que é uma resposta agradável, totalizadora e saudável a uma ação. Uma relação sensível com o objeto que repercute no interior do Espírito, preenchendo-o. Fazer o mal não dá satisfação, no sentido que estamos pensando. Fazer o mal é perversão sado-masoquista e esta traz, inevitavelmente, repercussões desastrosas para a pessoa, na lei de ação e reação.

A satisfação não é, todavia, um ato isolado da relação, uma busca egoísta. Se certas satisfações advém de uma intra-relação pessoal, como cuidar de flores, ler um livro, passear na praia, só é legítima na medida que a ação produza bem-estar nas pessoas envolvidas.

Estar satisfeito é ter encontrado uma resposta capaz de dar uma sensação de realização, de relaxamento e prazer. Como tudo na vida, esse estado de bem-estar pessoal não surge sem razão, mas é produto de nós mesmos. Na verdade, advém da prática do bem.

Se estamos ligados a uma obra assistencial, a um ideal ou a um trabalho fraterno, só podemos ter certeza de que estamos agindo conforme o coração, se isso nos trouxer satisfação.

Lembro-me que quando jovem, convivi por alguns meses, com um senhor que era o que se chama de “carola”. Diariamente ele ia a sua igreja. Certa vez, disse-me, “pensa que não é duro ficar ali rezando, de joelhos...” Talvez por isso ele era amargo e insatisfeito.

Cada pessoa, ainda que não formule claramente essa questão, precisa saber o que é, porque está neste mundo, qual seu lugar entre as pessoas. A ausência de um sentido razoavelmente consistente dessa realidade, causa um vazio, traz uma perspectiva que incomoda. Não sendo percebida produz desconcerto vivencial.

Não existe uma motivação interior. E sempre que precisamos de motivações externas para viver, o espinho da insatisfação se crava dolorosamente no coração.

Dai, a dificuldade que muitos experimentam em encontrar satisfação.

Em certos momentos, se envolvem em ações que dão a ilusão de satisfação, são momentos fugazes, porque há, persistente, uma noção de que tudo é passageiro e logo terminará, voltando ao vazio. Há mesmo um conceito de que a felicidade, a satisfação são apenas momentos fugazes, pois a vida é normalmente, apenas e nem sempre, tolerável.

O espinho da insatisfação torna a vida inquieta, incompleta e inibe o amor, a amizade, a fraternidade. Porque envolve o ciúme, a inveja e negação de participar.

Definir ou perceber o sentido da vida é produto da evolução, que é por sua vez é produzida pela integração pessoal em projetos que extrapolam o círculo estreito do egoísmo. Podemos afirmar que a insatisfação que está na base do caráter é de origem egoísta.

O exemplo mais característico dessa insatisfação egoísta é a da pessoa deprimida. A depressão é a resposta mais acabada do egoísmo, pois o deprimido é o indivíduo voltado para si mesmo, negando até a luz do sol, escondido nas trevas da angústia transformada em neurose depressora.

Não podemos ligar a satisfação à acomodação. O não-conformismo que não se apóie na agressão, no ócio, no vazio é uma rebelião saudável do espírito. Tanto quanto não podemos confundir a inquietude pelo melhor, a luta para superar obstáculos próprios e externos, com a inquietação nervosa, aflitiva, desagregadora, que avassala o coração de milhões

A inquietude é uma atitude positiva, direcionada para o melhor, produzindo mutações, renovando a mente e o coração, porque procura um ponto de apoio no infinito das opções, das dúvidas e do otimismo moderado, positivo.

Já a inquietação é uma forma de insatisfação, caracterizada pela ansiedade e pela volatilidade das motivações. Decorre da dificuldade de fixar-se, definir-se, seguir uma diretriz e permanecer num sentido produtivo. É o que o Espírito Emmanuel define, adequadamente, como angústia vazia.

Por isso, esse espinho é também muito variável, vai desde a pessoa crônicamente mal humorada, cultivadora da infelicidade e que enxerga o mundo através de uma visão pessimista até pequenas insatisfações oriundas de um processo egoísta ou equivocado de vivência. Condição para o estresse, essa designação mágica que, de uma maneira geral representa, quase sempre, o estado de vazio interior das pessoas.

Recordo-me de um treinamento em que cada um de nós, primeiramente, deitávamos sobre uma folha de papel e um colega desenhava o contorno do corpo. Depois, cada um deveria preencher livremente “nosso” corpo com desenhos coloridos. Em seguida, como numa galeria, expúnhamos nosso “desenho” e, dentre eles, os professores escolhiam alguns, para a análise psicológica.

Um desses desenhos mostrava um corpo com um círculo bem caracterizado, um grande buraco, um vazio, na altura do peito. Lembro-me bem que o “desenhista” era um jovem médico.

É assim que uma grande parte das pessoas, representaria sua insatisfação intima, visceral.

Temem estar consigo mesmas.

Não apreciam o silêncio, nem a reflexão. Ainda que o tumulto e o barulho incomodem, permanecem aí, como forma de alienação dos sentidos. Apreciam a conversa fútil, não acreditam em nada ou em quase nada, pensam no futuro sempre nebuloso e dificilmente proferem palavras de ajuda, consolo ou esperança.

Não poucas pretenderam encontrar satisfações em aditivos como o cigarro, o álcool e as drogas. São formas perversas de fuga e permanecem como espinhos cada vez mais cravados na alma.

Quem está no nível da insatisfação crônica, permanece numa espécie de agonia interior, que exaure e a torna infeliz.

Enquanto as pessoas razoavelmente equilibradas encontram no lazer, nas festas, nas viagens, intervalos de refazimento e satisfação, o insatisfeito procura neles uma resposta existencial.

Para curar-se desse mal é preciso renovar o sentido da vida. E olhar para si mesmo, com o olhar da procura de realizações que produzam satisfação real, que perdura e se repete, na realidade do coração.

Sempre que nosso coração se abre, nossas mãos trabalham, nossa mente se renova, ainda que sob o peso de pesadas responsabilidades e mesmo de tormentosas provações, podemos encontrar satisfações, pequenas e grandes, menores e amplas.