Artigo de Myriam de Domênico Rodrigues - Novembro de 2000
Muitas resenhas têm sido feitas, muitas histórias contadas e
muitas contribuições relembradas nestes 500 anos de Brasil. Um
assunto, porém, de forte significado, passa sempre batido e dele
nada se fala, desconsiderando sua enorme área de influência no
pensamento do povo brasileiro de todas as regiões e de todas as
classes sociais: o Espiritismo. Essa pesada cortina de silêncio
em nada diminui a força de sua presença cultural, cujas marcas
se encontram, talvez com mais frequência do que se imagina, no
jeito brasileiro de ser.
O Espiritismo é componente da realidade brasileira, queiramos ou
não. Há toda uma história, desde a sua chegada ao Brasil em
1860(*), passando pela fundação, em Salvador (BA), no ano de
1865, do primeiro centro espírita brasileiro, o Grupo Familiar
do Espiritismo. Esse ponto de partida foi, sem dúvida, já pelas
nossas origens, precedido de alguma efervescência, com as
práticas mágicas do índio e do africano, originando esse
fascínio pelo maravilhoso e abrindo caminho às diversões de
salão que corriam soltas nos países da Europa e nos Estados
Unidos no Século 19, chegando também ao Brasil: as mesas
girantes, precursoras do Espiritismo em todo o mundo.
Não foi casual o aparecimento em nossa terra, de um primeiro
centro espírita, antes mesmo que o Espiritismo completasse seus
dez anos de existência. Parece que havia um estado de
prontidão, uma receptividade em nome da qual multiplicaram-se,
em breve tempo, esses núcleos básicos de divulgação. Alguns
deram origem a entidades de maior alcance social e cultural, como
escolas, abrigos, sanatórios e creches. Outros desenvolveram
serviços menores, mas não menos importantes, de auxílio aos
necessitados, numa época em que mal se imaginava o que hoje
chamamos organizações não-governamentais. Com a divulgação
doutrinária, baseada na cultura do livro, cresceu desde logo
esse trabalho paralelo, através de voluntários anônimos, cuja
atividade, se contabilizada em números, poderia ser
surpreendente. Mas não é só. A criação de um movimento
juvenil teve e continua tendo sua área de influência na
formação de novas gerações centradas no ideal espírita.
Surgiram atividades de maior amplitude regional e nacional: as
confraternizações, os congressos, as semanas espíritas,
encontros, dinamizando o que se chama hoje de movimento
espírita.
Existem atualmente por todo o Brasil centros espíritas que já
se tornaram tradicionais em suas regiões. Há personalidades
espíritas reconhecidas do grande público, unicamente por sua
condição de espírita. Há oradores, pensadores e escritores
espíritas de renome nacional e internacional. E tudo isto, sem
falar da produção de jornais, revistas, livros, programas de
rádio e tv. Ah, os livros espíritas, as bibliotecas, as bancas
e livrarias, os clubes do livro, os jornais que se mantêm, sabe
Deus como, mas que não deixam de ser publicados, religiosamente.
E ainda não falei de um Chico Xavier, com toda sua influência
pessoal, à parte os mais de 400 títulos que já psicografou,
com versões para o inglês, espanhol, japonês e tantas outras
línguas. E as mensagens psicografadas, insistindo sobre os
problemas humanos e apresentando a maneira espírita de ver os
mais diversos assuntos. Mensagens que circulam de mão em mão,
entre espíritas e não-espíritas. Temas introduzidos por Allan
Kardec, como a imortalidade, reencarnação e outros, estão
presentes no teatro, nas novelas de tv, como em programas de
rádio e televisão. E agora também se navega com Kardec:
pode-se entrar, pela internet, em vários sites sobre
Espiritismo.
Enfim, há um fluxo contínuo e crescente de divulgação do
Espiritismo enquanto idéia. E se isto acontece é porque há
receptividade. E se há receptividade, há assimilação de
idéias. Idéias que impulsionam gestos, promovem ações e
mudanças. É um fato, apenas um fato. Mas não pode ser deixado
de lado na análise de tudo aquilo que fez de nós, brasileiros,
o povo que hoje somos. Não quero dizer que o pensamento de
Kardec tenha feito a diferença em nossa maneira de ser. Digo
apenas que existe uma contribuição significativa e que esta
não pode ser ignorada, nem posta de lado.
Que o futuro nos faça justiça. No Brasil 600, quem sabe?
(*) Em 1860, no Rio de Janeiro, o educador francês Casimir
Lieutaud publica o primeiro livro de divulgação do Espiritismo
no Brasil, em francês, com o título Les temps son arrivés (Os
tempos são chegados).
Myrian de Domênico Rodrigues é professora, participante do CE
Allan Kardec de Santos e presidente da Ação de Recuperação
Social-ARS.