Artigo de Eugênio Lara - Outubro de 2000

Dessa para Melhor

O Dia de Finados, desde criança, sempre foi para meio lúgubre, cinzento, um dia meio morto. Parecia até que sempre chovia. Não gostava de ir ao cemitério, ver aquela gente chorando, a montoeira de velas, as rezas e algumas vezes, cânticos. Ficava me perguntando se os mortos gostavam daquele esquema todo. Será que eles estavam ali ouvindo tudo aquilo? Estariam presentes, sensibilizados com toda aquela choradeira? Preferia observar as lápides, os mausoléus, muitos deles com uma aparência formal interessante. As fotos, os epitáfios, as flores. Enquanto meus familiares ficavam concentrados, alguns chorosos, preferia passear por aquela paisagem meio dark, desértica, sombria.

O tempo passou, e algumas vezes chegava a passear por cemitérios para ver a arquitetura. Imaginava o local cheio de fantasmas, sentia às vezes medo. É claro que sempre ia de dia. Nem pensar em ir à noite, pois o bicho-papão ou o homem do saco podiam me levar (cruz credo!). Lembro que no cemitério de São Vicente tinha um espaço legal pra jogar bolinha de vidro e pião. O coveiro nos expulsava de lá. "Saiam pra lá seus moleques, que falta de respeito!" Respeito a quem? me perguntava. Será que os mortos se importam tanto assim com os vivos? Dizem até que eles nos dirigem, nos dominam.

Depois, com o passar dos anos, e o contato com o Espiritismo, descobri que o cemitério seria o último lugar que os chamados "mortos" preferem ficar. Os Espíritos gostam mesmo é de ficar onde há concentração de pessoas, ao lado delas. Se em vida não frequentavam cemitérios, não seria depois de mortos que iriam desfrutar de tal funesto hábito. E pensar que a grande maioria imagina os cemitérios povoados de fantasmas, de almas penadas. Tem até gente que prefere fazer os seus despachos nesses locais. Convenhamos, vela vermelha e preta, galinha e farofa não combinam com aquele monte de cruz.

Hoje, quando vejo toda a movimentação no Dia de Finados, lembro-me desse tempo, quando em minha ingenuidade nem me dava conta do esquema mercenário que existe. Venda de flores, velas e outros badulaques mais. Propaganda de funerárias, opções de pagamento para uma lápide conforme o seu nível econômico. Lembro-me de Jeus, "deixai que os mortos enterrem os seus mortos". Eu, que ainda estou bem vivo, nem quero me preocupar com isso. Com certeza, quando desencarnar, alguém irá cuidar de meus restos mortais, como eu mesmo já fiz com companheiros dessa momentânea jornada, pois "viemos do pó e ao pó retornaremos". Pelo menos é o que dizem todos os padres que ouvi rezar em velórios e funerais, e mesmo nos filmes de cinema e TV.

Em minha modesta opinião, quem deu dignidade ao Dia dos Mortos fomos nós, os espíritas. Na França do século passado, o Dia de Finados era a única data importante para o movimento espírita. Todo ano eles se reuniam e eram realizados discursos comemorativos. O famoso Discurso de Abertura, proferido por Allan Kardec, o foi nesse dia. Sua esposa, Amellie Boudet, a querida Gabi, como ele mesmo preferia chamá-la, deu continuidade a esse costume que se perdeu, na medida em que o movimento espírita francês desvaneceu, desapareceu mesmo. Hoje, poucos conhecem quem foi Allan Kardec, na própria cidade onde nasceu, em Lyon. Todavia, o túmulo do fundador do Espiritismo é talvez o mais visitado do Pere Lachaise, onde está sepultado, ao lado de famosas personalidades como Karl Marx, Jim Morrison, para citar os túmulos também mais visitados.

Certa vez, em uma palestra, ouvi, curioso, um orador espírita dizer que o Dia de Finados é o dia onde o "plano espiritual" mais trabalha, pois as ligações mentais que se estabelecem são muito grandes e não dá para atender a todo mundo. Ora, será que no chamado "plano espiritual" também tem farofeiro? Haverá aquele congestionamento em feriado e temporada como ocorre aqui? O que ele, o orador, imagina que seja o tal de "plano espiritual"? Uma repartição pública, um ministério? São coisas que fazem parte do imaginário espírita.

De minha parte, compreendo a importância que a forma tem para as pessoas, é cultural., No entanto, considero que o espaço destinado aos cemitérios deveria ser melhor aproveitado. Se eu fosse presidente da República lançaria mão de uma daquelas medidas provisórias, que o FHC adora, e decretaria o fim dos cemitérios e crematórios. Desapropriaria esses espaços, não para dar aos sem-terra ou virar estacionamento, shopping center, mas para transformá-los em áreas de lazer, em espaços mais úteis. Tem até cemitério para animais, pasmem! E tem gente que vai lá acender vela para o seu bichinho. Será que os bichinhos gostam que acendam velas e rezem por eles?

O corpo cadavérico deveria ser doado integralmente à ciência, à medicina, ou talvez até para alguma fábrica de sabão. Afinal, qual a utilidade dessa nossa indumentária provisória depois que estamos "noutra"? Enquanto cremam-se cadáveres, tem gente morrendo por falta de órgãos para transplante. Enquanto tem criança sendo atropelada na rua por falta de áreas de lazer, os cemitérios ficam lá, vazios e desérticos, ainda que se verticalizem. Acho que, nesse aspecto, a Internet é uma boa saída. Eu sou plenamente a favor de um cemitério virtual e até me interessaria em reservar minha lápide virtual nessa necrópole. E teria até um epitáfio: "aqui jaz Eugenio Lara, que partiu dessa pra uma melhor".