Artigo de Paulo Guilherme Muniz - Agosto de 2000

Compreensão da Vida

"Paulo, Marlene e Pedro se conheciam há muitos anos. Marlene sempre disse amar Pedro. Paulo, certa vez, declarou seu amor para Marlene. Ela disse não amá-lo o suficiente, desprezando-o. Após este episódio, os três ficaram separados por muitos anos, até que Marlene resolveu procurar Pedro, que morava no outro lado do rio. O Barqueiro que levaria Marlene só o faria se ela pagasse, alegando ser este o seu ganha-pão. Marlene alegou não ter dinheiro, apenas o cachecol que estava em seu pescoço. O Barqueiro aceitou levá-la pelo cachecol.

Marlene, em dúvida, procurou um Eremita, e este, disse que não poderia opinar, apenas ouvir e conversar. Marlene é quem deveria tomar a decisão final. Marlene, então, resolveu dar o cachecol para o Barqueiro, que a levou até o outro lado, onde Pedro morava. Pedro e Marlene se reencontraram e ficaram juntos. Marlene, enfim estava muito feliz e realizada. Após alguns dias, Pedro recebeu uma proposta de emprego e viajou para o exterior, deixando Marlene no mesmo instante. Esta, então, perdida, resolveu procurar Paulo e disse a ele que no passado não o amava o suficiente, mas agora tinha certeza de que o amor que sentia por ele era suficientemente grande para que os dois ficassem juntos. Paulo então disse que não queria mais saber dela , pois não aceitava ficar com o resto dos outros."

Minha palestra em fins de junho numa quinta-feira à tarde no CEAK, teve como tema COMPREENSÃO DA VIDA. Realizei uma atividade em grupo e a platéia discutiu a história acima. Pedi que os presentes classificassem as personagens em ordem de importância, de acordo com critérios estabelecidos dentro do próprio grupo:

O Grupo 1 decidiu assim: 1º Eremita (por ser um sábio e deixar Marlene resolver) 2º Barqueiro (Era um profissional, agiu corretamente) 3º Paulo (Não poderia mesmo aceitar Marlene, que só o procurou por ter perdido Pedro) 4º Marlene (Apesar de confusa, era persistente) 5º Pedro – Foi muito egoísta, se aproveitou de Marlene e depois a abandonou).

O Grupo 2: 1º Marlene (É uma mulher decidida, busca o que quer) 2º Pedro (Optou certo pela oportunidade de emprego no exterior, pois foi a decisão de sua vida.) 3º Paulo (Já que gostava de Marlene, poderia ter ficado com ela, foi orgulhoso demais) 4º Eremita (Omisso, não ajudou em nada) 5º Barqueiro (Insensível e egoísta, poderia ter ajudado Marlene).

Conversando com a platéia, ficou fácil observar que cada um tem um ponto de vista em relação às coisas. Isto é óbvio. Somos individualidades, seres espirituais com bagagens e experiências diversas através dos tempos e, em quase todos os assuntos, mostramos nossas diferenças.

Como falar de COMPREENSÃO DA VIDA, se cada um pode compreendê-la de um modo diferente?

Recorro a dois autores espíritas para escrever sobre isto: Jaci Regis e Léon Denis.

Jaci Regis, em seu livro Uma Nova Visão do Homem e do Mundo (Ed. Dicesp 1ª Edição – Santos-SP, 1984) descreve quatro condições básicas para a compreensão da vida, para a "análise da natureza do homem, enquanto Espírito Imortal" (p. 39):

"a- existe no Universo um elemento criador, capaz de produzir um ser dotado de inteligência;

b- esse ser inteligente, é criado potencial, perfectível, como um projeto, um advir, um ser realizável;

c- por ser um projeto, um ser realizável, é imortal, possui como qualidade própria a capacidade de permanecer individualizado atemporalmente.

d- é necessário um elemento externo que ofereça a esse ser-realizável, meio suficientemente adequado ao seu desenvolvimento, à realização de seu projeto." (p.40)

Ao ler O Grande Enigma (Ed. FEB, 7ª Edição – RJ , 1983), de Léon Denis, encontrei uma teoria que ele chama de A Lei Circular (p. 189). Denis escreve, poeticamente como sempre:

"O vapor sobe para as alturas; forma nuvens, verdadeiros oceanos suspensos sobre nossas frontes. As nuvens que plainam no espaço, mares imensos e móveis, fundem-se em chuvas, e tornam a ser os rios e os regatos que já foram. Assim, o Ródano, o Reno, o Danúbio e o Volga, já têm rolado acima de nossas cabeças antes de correr a nossos pés. É esta a lei, a Lei da Natureza e da Humanidade.

Todo ser já existiu; renasce e sobe, envolve assim e uma espiral, cujas órbitas vão aumentando cada vez mais, e é por isso que a História vai tomando um caráter universal: é o corso e ricorso de que fala o filósofo italiano, Gianbattista Vico... É preciso renascer." (p. 189,190).

Régis fala de DEUS, ESPÍRITO E MATÉRIA, e Denis fala do processo através do qual esse ESPÍRITO alcança o objetivo de seu projeto de vida.

COMPREENSÃO DA VIDA é compreender que vida não é apenas o período de tempo contado entre a concepção no ventre materno e a morte do corpo. VIDA é todo esse processo grandioso e naturalmente magnífico. É magnífico porque é caminho para a liberdade plena do espírito  - moral e intelectual. É natural pois é igual para todos os Espíritos, em qualquer tempo e em qualquer lugar. É um processo grandioso pois que é infinito, reafirmando o crescimento espiritual dos seres e fazendo-os despojarem-se das imperfeições, através das sucessivas reencarnações - verdadeiras oportunidades e não punição, como muitos ainda acreditam.

Desta maneira, como costuma dizer o meu pai, o espírito é herdeiro de si mesmo. E quanto mais rápido compreende este fato, mais fácil torna-se a sua caminhada, mais fácil torna-se a compreensão do outro, daqueles com os quais se compromissou em busca de uma sociedade mais livre, mais justa, mais humana, mais espiritualizada.

Paulo Guilherme Muniz, 33 anos, é membro do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP.