Artigo de Eugênio Lara - Abril de 2000

Chico na TV

Quando vi o médium mineiro Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, em dezembro passado, numa vinheta da TV Globo em comemoração ao novo ano que se anunciava, senti um misto de alegria e tristeza.

Ao lado de várias lideranças religiosas do catolicismo, judaísmo, da umbanda, dos evangélicos, do Islamismo, o sorridente e doce Chico surgia meio que imaculado, representando os espíritas. Tudo dentro daquele padrão global de otimismo amorfo e inócuo ufanismo, como convém às comemorações de fim de ano.

Confesso que senti alegria. Inicialmente foi mais forte, levado, bem sei, pelo apelo das imagens, do som, da produção impecável. Se ao lado do Chico estava também um babalorixá, o pai-de-santo, as pessoas logo vão perceber que Espiritismo é uma coisa e Umbanda e ou Candomblé outra. Mesmo que não saibam exatamente a conceituação e as diferenças filosóficas de ambos, dá para se perceber que são doutrinas diferentes uma da outra.

A mensagem era de otimismo e Chico Xavier é mestre nesse negócio. Falou em auto-ajuda, o Chico é a maior referência, ou melhor, seu trabalho no campo mediúnico é pioneiro neste tipo de literatura. Sua figura inspira otimismo, serenidade, esperança. Não foi à-toa que ele foi escolhido como uma das personalidades religiosas do século, pela revista IstoÉ. Esta mesma revista, em edição especial, elegeu seu trabalho no campo mediúnico e assistencial, como um dos 100 fatos marcantes deste século no País. Ele é uma unanimidade em termos de competência mediúnica e exemplo moral. Vê-lo na televisão é sempre bom, ainda mais na Globo, que ainda atinge índices astronômicos de audiência.

As lideranças religiosas do País viram a vinheta e tiveram de engolir o nosso Chico, assim como as outras lideranças presentes na sequência das imagens. Ecumenismo tem esse lado bom, serve para que as religiões se percebam não a partir de si mesmas, mas a partir das diferenças que o outro, de outro time religioso, demonstra ter.

Todavia, fiquei triste e bastante indignado ao ver o Chico no meio daquela gente. Um estranho no ninho. Ele não tinha nada que estar lá na TV ao lado dos padres Marcelos, dos bispos Macedos, dos papas, dos rabinos. Se de um lado serviu para marcar posição e presença em relação aos umbandistas e à sociedade, por outro mostra à Nação uma máscara que o Espiritismo não deveria ter, mas que no Brasil tornou-se muito mais do que máscara, do que uma persona, virou uma carranca, uma cabeça de Medusa.João Paulo II é papa, Henry Sobel, rabino, Edir Macedo, pastor. E o Chico, é o quê? O Papa do Espiritismo como já cansei de ouvir? Allan Kardec reencarnado como o consideram alguns espíritas ingênuos, levianos e tresloucados? O que fazia ele ali se não é líder de nenhuma seita, se não está em altos postos na hierarquia de alguma religião? Ninguém é capaz de questionar o Chico. Mas eu gostaria de perguntar-lhe se ele se sentiu bem quando se viu na TV como um líder religioso, equiparado a seitas e religiões. Isso é bom para o Espiritismo? Que Espiritismo?

Aí reside a questão. O Espiritismo que o Chico representa na TV não é o mesmo Espiritismo que esse Abertura divulga. Não é o mesmo Espiritismo filosófico-ético e cientifico-experimental do Kardec. É o Espiritismo que historicamente se desenvolveu no Brasil, uma espécie de sincretismo, de neo-cristianismo, qualquer coisa menos o pensamento filosófico que o Bom Senso Encarnado estruturou. Um Espiritismo religiólatra, à moda brasileira. Se aqui o Partido Comunista rachou em pedacinhos e existe uma dissidente Igreja Católica do Brasil, que dirá uma corrente de pensamento como a kardecista, a exigir muito mais do que uma simples decoreba de dogmas, jargões e palavras de ordem.

A realidade é essa. Não adianta chorar o leite derramado. O Espiritismo se travestiu de religião e ponto final. Como devemos lidar com esse fato? Ficar lamentando o que deveria ser feito e não o foi? Atacar quem acha que isso é uma boa para a Humanidade? Nessas horas vale o que o coração sente ou deveria sentir. É preciso humildade, paciência e muita, mas muita perseverança mesmo.

Apesar de todas as paparicações, de todo o mito em que a sua figura humana se acha envolvida, o nosso Chico continua o mesmo, com a mesma humildade e simplicidade. Aos 90 anos, esse homem merece muito mais do que o Prêmio Nobel da Paz, pois tornou-se uma unanimidade, neste caso, contrariando a tese nelsonrodrigueana de que toda unanimidade é burra. Muito provavelmente, se houvesse uma eleição planejada em todos os segmentos do Espiritismo, sem nenhum tipo de exclusão, Chico Xavier seria tranquilamente eleito a personalidade espírita deste século.