Capa - Junho de 2000

Editorial

Além do Umbigo

Em carta enviada à Comissão Organizadora do XVIII Congresso Espírita Pan-americano, Gélio Lacerda, que tem se notabilizado pela ferrenha oposição à Federação Espírita Brasileira, faz um apelo à CEPA, para que ela revise sua posição laica e volte à religião espírita. Segundo o missivista, "o Espiritismo brasileiro, adotando o aspecto religioso, vai ao encontro dos anseios de religiosidade das massas que, por tendências atávica, vêem na religião o conforto espiritual de que tanto se necessita, mormente neste mundo de provas e expiação, onde o sofrimento espreita a cada esquina..."

Sem entrar no mérito da posição do missivista, ressaltamos que esse entendimento do papel do Espiritismo no mundo, reproduz com fidelidade a mentalidade dominante no movimento espírita, para o qual a idéia central da Doutrina é assistencialista, salvacionista.

Parece ao movimento que o conjunto de idéias que Allan Kardec reuniu e divulgou é um pano de fundo, mas não essencial. O que importa criar um aparelho capaz de atender à demanda dos sofredores e necessitados, transformando o Espiritismo numa agência de serviços sociais, enquanto o projeto doutrinário de transformação da pessoa fica de lado.

Ademais, essa disputa entre roustainguista e anti-roustainguista é mero jogo de compadres, uma vez que ambos os lados defendem o mesmo prisma doutrinário, disputando apenas o corpo e Jesus, enquanto a população socorrida permanece longe dos horizontes traçados pelo pensamento kardecista.

Esse fato, de resto extremamente conhecido, define o perfil geral do movimento espírita brasileiro, de base religiosa.

Entretanto, é importante saber como se comporta o movimento espírita progressista ou o que assim se afirma. Como agem os poucos núcleos que se preocupam com a Doutrina em si mesma e compreendem que esse é o único caminho para que ela influencie o mundo, na formação seus freqüentadores?

Não basta organizar cursos, debates, mas é importante acima de tudo, enfocar o conhecimento para uma visão ampla e não restrita ao consumo interno e pessoal. Um grupo minoritário só sobrevive pela atuação constante e pela unidade de esforços. Por isso, o espírita formado no livre pensar precisa situar-se no conjunto, na amplitude da proposta do Espiritismo. Se absorve esse ideário, deve saber que as idéias que esposa sofrem constante contestação dos grupos majoritários. Daí a consciência de que é preciso tornar-se ativista, participativo, preocupar-se com a divulgação e estar presente aos projetos, promoções que visam dar à sociedade uma visão renovada da Doutrina Espírita.

A ausência dos espíritas supostamente estudiosos, a começar pelos líderes, em promoções culturais e doutrinárias, parece significar que têm o enfoque voltado para o umbigo de seus próprios núcleos, sem solidariedade e sem formar uma corrente firme de opinião social.